Exame do Líquido Cefalorraquidiano em Pacientes com Alterações Comportamentais

Exame do Líquido Cefalorraquidiano em Pacientes com Alterações Comportamentais

 

As alterações comportamentais podem ser manifestações iniciais ou predominantes de diversas doenças neurológicas e sistêmicas, tornando fundamental uma abordagem diagnóstica criteriosa. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) é uma ferramenta essencial na investigação dessas condições, permitindo a identificação de processos infecciosos, inflamatórios, neoplásicos e metabólicos que podem estar associados a alterações do comportamento e do estado mental.

 

Indicações do Exame do LCR

O exame do LCR deve ser considerado em pacientes com alterações comportamentais quando há suspeita de:

  • Infecções do Sistema Nervoso Central (SNC): Meningites virais, bacterianas, tuberculosas e fúngicas, além de encefalites virais e neurossífilis, podem se apresentar inicialmente com alterações comportamentais, confusão mental e alterações de humor. Indícios clínicos incluem febre, sinais meníngeos, crises epilépticas, rebaixamento do nível de consciência e sinais neurológicos focais. O uso de painéis de PCR, como o FilmArray, pode agilizar o diagnóstico etiológico dessas infecções.
  • Doenças Autoimunes e Inflamatórias: As encefalites autoimunes e paraneoplásicas podem se manifestar com sintomas comportamentais e psiquiátricos proeminentes, como agitação, psicose, catatonia e déficits de memória, sendo a encefalite anti-NMDA associada a manifestações psiquiátricas exuberantes, enquanto a encefalite límbica por anticorpos anti-LGI1, anti-CASPR2 e anti-GABAB se apresenta com alterações cognitivas, crises epilépticas e transtornos do humor. Tais encefalites têm instalação aguda ou subaguda. Características sugestivas incluem início subagudo de alterações psiquiátricas, crises epilépticas, movimentos anormais e disfunção autonômica.
  • Doenças Priônicas: A doença de Creutzfeldt-Jakob, uma encefalopatia espongiforme príonica, frequentemente se apresenta com alterações comportamentais e deterioração cognitiva rápida. O diagnóstico tem avançado significativamente com a utilização da RT-QuIC (Real-Time Quaking-Induced Conversion), um teste altamente sensível e específico para a detecção de príons no LCR, permitindo diagnóstico precoce e mais confiável. Clinicamente, a suspeita surge com a combinação de progressão rápida dos sintomas, mioclonias e sinais extrapiramidais.
  • Infiltração neoplásica meníngea: Alterações comportamentais podem ser a primeira manifestação de neoplasias primárias do SNC ou doenças metastáticas, como linfomas, leucemias ou carcinomatose meníngea. Suspeita-se dessas condições quando há cefaleia persistente, déficits neurológicos focais, déficits de nervos cranianos e alterações no nível de consciência.
  • Distúrbios Neurodegenerativos: Condições neurodegenerativas como a Doença de Alzheimer (DA), demência frontotemporal e doença com corpos de Lewy, cursam com alterações comportamentais. Os biomarcadores liquóricos são cada vez mais utilizados na prática clínica, já sendo bem estabelecidos na DA e em desenvolvimento nas demais. A presença de sintomas progressivos, associada a histórico familiar positivo e alterações cognitivas graduais, pode sugerir essas condições.

 

Importância da Neuroimagem Antes da Coleta de LCR

Nestes casos, antes da coleta do LCR, é essencial a realização de exames de neuroimagem, como tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) de crânio. Esses exames permitem identificar contraindicações para a punção lombar, como hipertensão intracraniana por efeito de massa, que pode resultar em herniação. Além disso, a neuroimagem auxilia na exclusão de lesões estruturais que possam justificar o quadro clínico, orientando melhor a necessidade da análise liquórica.

 

Parâmetros Analisados no LCR

A análise do LCR inclui diversos testes que podem fornecer pistas diagnósticas importantes:

  • Citometria e Bioquímica: Pleocitose e aumento de proteínas podem sugerir infecções ou doenças inflamatórias.
  • Citologia oncótica: pode estabelecer o diagnóstico de infiltrações neoplásicas meníngeas.
  • Exames microbiológicos convencionais: como cultura, coloração de Gram, pesquisa direta de antígenos e reação em cadeia da polimerase (PCR) para patógenos específicos, desempenham um papel fundamental na investigação de meningites e encefalites, permitindo a identificação etiológica e a orientação do tratamento, embora sua sensibilidade possa ser limitada em determinados cenários, como infecções por patógenos de difícil cultivo ou em pacientes previamente tratados com antimicrobianos.
  • Pesquisa de Biomarcadores: Proteína 14-3-3 e Tau, além da RT-QuIC, no diagnóstico da Doença de Creutzfeldt-Jakob, sendo que essa última tem se tornado padrão no diagnóstico de doenças priónicas, oferecendo maior acurácia diagnóstica. Os biomarcadores Beta amiloide 1-42, Beta amiloide 1-40, Tau, Tau fosforilada encontram-se bem estabelecidos no diagnóstico da doença de Alzheimer.
  • PCR: Detecção de vírus e outros agentes infecciosos (ex.: HSV, VZV, bactérias), incluindo o uso de painéis multiplex como o FilmArray, que permite a identificação rápida de diversos patógenos simultaneamente.
  • Pesquisa de anticorpos: para investigação de condições como a neurolues e a infecção pelo HIV
  • Imunofenotipagem: Avaliação de infiltração neoplásica por linfomas e leucemias.
  • Imunocitoquímica: Na avaliação de metástases de tumores sólidos.

 

 

Conclusão

 

O exame do LCR é uma ferramenta essencial na avaliação de pacientes com alterações comportamentais relacionadas às condições citadas, permitindo um diagnóstico mais preciso e orientando condutas terapêuticas adequadas. Sua indicação deve ser baseada na suspeita clínica, integrando os achados do exame neurológico, exames de neuroimagem e outros testes laboratoriais.

 

 

Referências

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