A Dengue e outras arboviroses presentes em nosso meio podem estar associadas a diferentes manifestações neurológicas, que variam de acordo com o agente e as condições do hospedeiro. Essas infecções são transmitidas pelo Aedes aegypti.
Os mecanismos pelos quais estes vírus causam manifestações neurológicas são:
- Neurotropismo e dano neuronal direto pelo vírus;
- Complicação de alterações sistêmicas, como hemorragia, hipovolemia e alterações metabólicas;
- Reação cruzada entre antígenos virais e componentes da mielina do Sistema Nervoso Central (SNC) (encefalomielite disseminada aguda – ADEM) ou Sistema Nervoso Periférico (SNP) (Síndrome de Guillain-Barrè);
As principais manifestações neurológicas associadas a essas infecções são:
- Dengue – O vírus da dengue (DENV) tem quatro sorotipos conhecidos, DENV-1 a DENV-4. Alguns estudos sugerem maior gravidade e maior risco de complicações neurológicas no sorotipo 2. O tempo de incubação varia de 3 a 14 dias. Na Dengue, as infecções geralmente são clinicamente leves ou até mesmo assintomáticas. As complicações neurológicas são raras, mas potencialmente graves, e incluem encefalite, mielite transversa, meningite, SGB, miosite e neuromielite óptica (NMO).
- Zika – Está associada a manifestações congênitas, como a microcefalia. O vírus atravessa a barreira placentária e pode infectar neurônios fetais, replicando-se neles e causando complicações neurológicas. Além disso, tem sido descrita como causa da SGB e, mais raramente, encefalite, mielite e miosite.
- Chikungunya –pode causar uma síndrome musculoesquelética crônica, com artrite e artralgia, além de manifestações, como a SGB, encefalite, meningite, mielite e miosite.
- Febre amarela – Cursa com manifestações hemorrágicas e meningoencefalite. Dessas arboviroses, é a única para qual existe uma vacina com vírus atenuado. Embora seja bastante eficaz e segura, essa imunização pode determinar raras complicações neurológicas, seja por invasão do sistema nervoso pelo vírus vacinal, seja por reação autoimune desencadeada por antígenos vacinais, incluindo meningoencefalite, SGB, ADEM e meningite.
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Pacientes com febre e outros sintomas sistêmicos compatíveis com essas infecções devem ser submetidos a investigação neurológica quando há sintomas, incluindo: rebaixamento do sensório, confusão mental, paresia de membros, cefaleia e meningismo e sinais neurológicos focais. O exame de imagem de escolha é a ressonância, que pode mostrar alterações encefálicas e/ou medulares. A eletroneuromiografia (ENMG) é indicada na investigação de quadros de polineurite e miosite. Na suspeita deste último, enzimas musculares devem ser também solicitadas.
O exame do líquido cefalorraquidiano (liquor) tem um papel fundamental no diagnóstico das neuroarboviroses. O ideal é que o material seja analisado em paralelo com o soro, incluindo:
- – Análise citológica e bioquímica do líquido cefalorraquidiano;
- – Avaliação da barreira hematoencefálica e da imunoprodução de anticorpos IgG: índice de IgG, nomograma de Reiber, pesquisa de bandas oligoclonais;
- – Pesquisa de anticorpos específicos: no caso das neuroarboviroses, a pesquisa de IgM ou de imunoprodução intratecal de IgG contra o vírus específico podem contribuir;
- – Exames específicos de biologia molecular:
- Pesquisa de RNA viral no liquor por meio da PCR para o vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Por sua rapidez, alta sensibilidade e especificidade, os testes moleculares nesse material são os mais indicados;
- Exclusão de outras etiologias infecciosas:
- Investigação quanto à presença de material genético de outros vírus, como o enterovírus, vírus da família herpes (HSV-1, HSV-2, VZV, EBV, CMV), além de infecções bacterianas. Uma excelente opção é a utilização de painéis, que avaliam, pela PCR em tempo real, vários agentes etiológicos simultaneamente, como o BioFire FilmArray, BDMax vírus e BDMax bactérias.
Veja: Importância do exame do líquido cefalorraquidiano em casos de Covid-19.
A tabela abaixo mostra os principais exames e alterações mais comuns no líquido cefalorraquidiano em pacientes com Dengue ou outras neuroarboviroses:
Exames em líquido cefalorraquidiano | Achados |
Citologia e bioquímica | A análise citológica e bioquímica do líquido cefalorraquidiano podem ser normais ou revelar alterações inflamatórias leves, incluindo pleocitose e hiperproteinorraquia. |
Avaliação da barreira hematoencefálica e da imunoprodução intratecal | Índice de IgG, Nomograma de Reiber, Pesquisa de bandas oligoclonais: podem ser normais, revelar um processo inflamatório sistêmico (com bandas em espelho no soro e liquor) ou uma resposta inflamatória compartimentalizada no SNC (índice de IgG aumentado e bandas apenas em liquor e não no soro). |
Pesquisa de anticorpos específicos | Pesquisa de IgM para arboviroses, imunoprodução intratecal de IgG contra arbovirus: a presença de IgM ou a produção intratecal de IgG contra um desses vírus indica uma infecção aguda. |
Biologia molecular | PCR para vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela: quando positiva, indica não apenas infecção aguda ativa, mas também neuroinvasão viral. |
Exclusão de outras causas infecciosas | PCR para enterovírus, família herpes e/ou painéis: FilmArray – painel molecular para 14 diferentes agentes de meningites e encefalites, BDMAx vírus e bactérias. |
Veja aqui a lista completa de exames do Senne Liquor
Bibliografia consultada
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- Puccioni-Sohler, M., Ornelas, A.M.M., de Souza, A.S., Cabral-Castro, M.J., Ramos, J.T.M.A., Rosadas, C., Salgado, M.C.F., Castiglione, A.A., Ferry, F., Peralta, J.M., Voloch, C.M., Tanuri, A., Tovar-Moll, F., Aguiar, R.S.. (2017). Journal of NeuroVirology, 23(5), p. 768-771.
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