Biomarcadores liquóricos de atividade da esclerose múltipla

A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune do sistema nervoso central (SNC) caracterizada por inflamação crônica, desmielinização, gliose e perda neuronal. O curso pode ser recorrente-remitente ou progressivo. A EM é uma doença heterogênea. Pacientes com doença mais ativa apresentam surtos mais frequentes, maior carga lesional à ressonância, e têm maior risco de evoluir, em um menor intervalo de tempo, com sequelas definitivas quando comparados àqueles com uma doença de menor atividade. Contudo, os critérios usados para avaliar a atividade da doença, em especial a clínica e a ressonância, ainda carecem de sensibilidade, principalmente nos estágios iniciais da doença. Outro parâmetro ainda pouco avaliado na prática clínica é o grau de degeneração axonal. A taxa de degeneração axonal está correlacionada com uma pior da evolução clínica, mas ainda é difícil mensurar esse parâmetro.

As drogas modificadoras da doença (DMDs) são a base do tratamento da EM. O tratamento precoce deve ser iniciado após o estabelecimento do diagnóstico, com o objetivo de reduzir a atividade da doença, prevenir novas lesões e novos sintomas, retardar a evolução para formas progressivas, possibilitando a manutenção, por um maior tempo, da funcionalidade dos pacientes. Nos últimos anos, houve uma mudança considerável do cenário terapêutico em relação às DMDs, especialmente em função da introdução de medicamentos de maior eficácia. Com isso passamos a ter mais opções para formas altamente ativas da doença, bem como para as formas progressivas, até então não contempladas com DMDs aprovadas.  

Com a disponibilidade de vários tratamentos modificadores da doença com diferentes mecanismos de ação, já em uso e em desenvolvimento, é importante identificar biomarcadores confiáveis​​para identificar os pacientes com EM de alto risco para os quais tratamentos mais potentes, mas com maiores riscos, devam ser usados, bem como reconhecer aqueles para quem tratamentos mais seguros, mas com menor eficácia, seriam suficientes. Contudo, os métodos convencionais de análise da atividade da doença ainda apresentam limitações.  

          A análise do líquor (LCR) mostra-se promissora para demostrar o grau de atividade da doença e auxiliar a diferenciar pacientes com EM com alto risco de incapacidade daquelas com uma doença mais benigna. Estudos relatam que uma maior quantidade de bandas oligoclonais (tanto IgG quanto IgM), altos índices quantitativos de IgG e altos níveis de cadeias leves kappa (índice kappa bastante elevado), teriam um papel prognóstico.  

          Os neurofilamentos compõem o citoesqueleto neuronal. Eles são liberados em quantidade significativa após dano axonal ou degeneração neuronal, tanto no líquido intersticial e quanto no LCR. A medição de neurofilamentos no LCR, particularmente a subunidade leve (NfL), é um marcador fidedigno de dano axonal. Estudos mostram a ocorrência de níveis elevados de NfL no LCR em uma ampla variedade de distúrbios neurológicos nos quais ocorre degeneração axonal. Um artigo recente publicado pelo Senne Liquor revisou criticamente a utilidade da dosagem do NfL em LCR em pacientes com EM. Neste artigo mostrou-se que:  

  • a dosagem de NfL correlaciona-se com a atividade da doença; 
  • concentrações mais altas de NfL são preditivas de atrofia cerebral e da progressão do processo neurodegenerativo; 
  • o tratamento efetivo da EM parece estar associado a uma redução dos níveis de NfL no LCR. 

Portanto, a análise de biomarcadores do LCR, em particular avaliando a intensidade da resposta inflamatória ou a concentração de NfL, tem um potencial valor clínico no manejo de pacientes com EM, ajudando a identificar casos com maior atividade inflamatória e que requeiram medicamentos mais potentes desde o início do tratamento. 

 Leia o artigo do Senne Liquor na íntegra:  

https://www.scielo.br/j/anp/a/cKQRyKcNx9dxjKfHrdVf8Qr/?lang=en 

 Bibliografia consultada:  

Domingues RB, Fernandes GBP, Leite FBVM, Senne C. Neurofilament light chain in the assessment of patients with multiple sclerosis. Arq Neuropsiquiatr. 2019 Jul 15;77(6):436-441. doi: 10.1590/0004-282X20190060. PMID: 31314847. 

Domingues RB, Fernandes GBP, Leite FBVM, Tilbery CP, Thomaz RB, Silva GS, Mangueira CLP, Soares CAS. The cerebrospinal fluid in multiple sclerosis: far beyond the bands. Einstein (Sao Paulo). 2017 Jan-Mar;15(1):100-104. doi: 10.1590/S1679-45082017RW3706. PMID: 28444098; PMCID: PMC5433316. 

Magliozzi R, Cross AH. Can CSF biomarkers predict future MS disease activity and severity? Mult Scler. 2020 Apr;26(5):582-590. doi: 10.1177/1352458519871818. Epub 2020 Jan 22. PMID: 31965889.