As formas de infecção do sistema nervoso central (SNC) causadas pelo Mycobacterium tuberculosis incluem meningite, tuberculoma, aracnoidite espinhal e mielite transversa.
EPIDEMIOLOGIA
Entre os pacientes com tuberculose (TB), aproximadamente 1 a 5 por cento apresentam complicações no sistema nervoso central (SNC). Em regiões onde a prevalência da TB é alta a disseminação pós-primária é comum entre crianças e adultos jovens e todas as três formas de TB do SNC (meningite tuberculosa, tuberculoma intracraniano e aracnoidite tuberculosa espinhal) são encontradas com relativa frequência. Em regiões onde a prevalência da TB é baixa, a forma predominante de doença do SNC é a meningite.
O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um importante fator de risco para TB no SNC. Entre os pacientes com TB, aqueles com infecção por HIV têm uma probabilidade cinco vezes maior de ter envolvimento do SNC e TB disseminada em comparação com aqueles sem infecção por HIV. Esse risco aumenta entre pacientes com contagem de CD4 <100 células/µL.
PATOGÊNESE
Durante a bacilemia, focos tuberculosos dispersos (tubérculos) são estabelecidos no cérebro e nas meninges. A entrada do bacilo da tuberculose no espaço subaracnóideo produz uma intensa reação de hipersensibilidade, dando origem a alterações inflamatórias marcantes na base do cérebro.
Do ponto de vista patológico a meningite caracteriza-se por exsudato gelatinoso espesso, mais acentuado na parte basal do cérebro e, eventualmente, produz uma massa fibrosa que envolve nervos cranianos adjacentes e vasos do Círculo de Willis, levando a paralisias de nervos cranianos e infartos periventriculares. Pode ocorrer vasculite tuberculosa, que causa trombose e oclusão de vasos intracerebrais e infartos, identificados em cerca de um terço dos pacientes com meningite tuberculosa. As estruturas mais envolvidas são os gânglios da base, o tálamo, cápsula interna e regiões periventriculares.
A hidrocefalia se desenvolve na maioria dos pacientes com meningite tuberculosa e resulta da extensão do processo inflamatório às cisternas basilares e da restrição na circulação e reabsorção do líquido cefalorraquidiano (LCR). A hidrocefalia não comunicante causada pela obstrução do aqueduto pode ocorrer em função do exsudato que circunda o tronco encefálico e que bloqueia a drenagem de liquor (LCR).
MENINGITE TUBERCULOSA: SINTOMAS
Pacientes com meningite tuberculosa comumente apresentam cefaleia, febre, vômitos e alteração sensorial; sintomas esses que também são frequentemente observados na meningite bacteriana. As características que podem ajudar a distinguir a meningite tuberculosa da meningite bacteriana incluem: apresentação subaguda; presença de paralisias de nervos cranianos (mais frequentemente envolvendo os nervos cranianos II e VI, embora outros também possam ser envolvidos).
É comum a apresentação clínica com manifestações do SNC na ausência de história prévia de sintomas pulmonares. Pode haver características atípicas que mimetizam outras condições neurológicas, tais como síndrome meningítica aguda e rapidamente progressiva, sugerindo meningite piogênica, ou demência lentamente progressiva ao longo de meses, caracterizada por mudança de personalidade, isolamento social, perda de libido e déficits de memória. Menos comumente, os pacientes podem apresentar um curso encefalítico manifestado por estupor, coma e crises epilépticas, sem sinais evidentes de meningite.
As complicações da meningite tuberculosa incluem: AVC, crises epilépticas, hidrocefalia, hiponatremia, perda de visão por aracnoidite optoquiasmática e mielite transversa.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é estabelecido a partir do exame de LCR, no qual pode-se identificar bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR), cultura do LCR positiva para M. tuberculosis, ou exame de amplificação de ácidos nucleicos positivo. No entanto, o diagnóstico definitivo pode ser bastante desafiador, dada a sensibilidade e especificidade subótimas dos testes diagnósticos. Um diagnóstico presuntivo de meningite tuberculosa pode ser feito no contexto de fatores clínicos e epidemiológicos relevantes juntamente com achados típicos do LCR (pleocitose linfocítica, concentração elevada de proteínas e baixa concentração de glicose).
Punção lombar e exame do LCR
A punção lombar deve ser realizada em todos os casos de suspeita de meningite tuberculosa, exceto quando há risco de herniação. Quando o risco decorre de hidrocefalia, uma ventriculostomia pode ser realizada para drenagem e obtenção do LCR. Deve-se obter um grande volume de LCR, pois isso melhora a sensibilidade de detecção de M. Tuberculosis.
A manometria deve ser realizada e, embora a pressão de abertura possa ser normal, em 50% dos pacientes a pressão de abertura é > 25cm H2O. O aspecto do LCR é habitualmente claro ou ligeiramente turvo. Se o LCR for deixado em repouso, um coágulo fino semelhante a uma película ou teia de aranha pode se formar e é fracamente visível sendo decorrente do alto teor de proteína no LCR (que pode chegar a 1.000–8.000 mg/dL). LCR hemorrágico também pode ocorrer, sendo atribuído à degeneração fibrinóide dos vasos, resultando em hemorragia.
O LCR normalmente apresenta pleocitose, nível elevado de proteína e hipoglicorraquia acentuada. Em adultos, a contagem de leucócitos é em média de 223 células/µL (variação de 0–4.000 células/µL). Cerca de 27% dos casos apresentam pleocitose neutrofílica (> 50% de neutrófilos). Em crianças, a contagem média de leucócitos é de 200 células/µL (variação de 5 a 950 células/µL). O nível médio de proteína em adultos é de 224 mg/dL (variação de 40 a 1.000 mg/dL) e, em crianças, é de 219 mg/dL (variação de 50 a 1.300 mg/dL). Cerca de 72% dos pacientes apresentam hipoglicorraquia.
A eficácia da adenosina desaminase (ADA) no LCR tem sido avaliada no diagnóstico de meningite tuberculosa. Uma recente revisão sistemática mostrou que o ADA para diferenciar meningite tuberculosa de outras etiologias tem boa especificidade e sensibilidade aceitável, porém com baixíssima qualidade das evidências. Um estudo realizado pelo Senne Liquor mostrou que os níveis de ADA foram maiores na meningite bacteriana que na meningite tuberculosa que, por sua vez, teve níveis mais altos de ADA que na meningite fúngica. Quando realizadas comparações aos pares, não houve diferença significativa entre meningites bacterianas e por M. Tuberculosis nem entre meningite tuberculosa e fúngica.
A pesquisa direta se faz pela coloração de bacilo ácido-álcool resistente (BAAR). A sensibilidade do BAAR para o diagnóstico de meningite tuberculosa é de 30 a 60 por cento. A sensibilidade diagnóstica aumenta com o volume de LCR (até 10 a 15 mL) e um maior número de amostras de LCR (até quatro). Os esfregaços podem ser positivos mesmo dias após o início do tratamento.
A cultura para Mycobacterium tuberculosis está positiva em 50-80% dos casos, contudo, o resultado pode demorar semanas.
Diagnóstico molecular
Inúmeros estudos mostram que a reação em cadeia da polimerase (PCR) para Mycobacterium tuberculosis pode fornecer um diagnóstico rápido e confiável, embora resultados falso-negativos possam ocorrer em amostras contendo um número muito pequeno de organismos (< 2 unidades formadoras de colônias por mL). Em uma meta-análise incluindo 63 estudos abrangendo mais de 1300 pacientes com meningite tuberculosa (confirmada por cultura), a especificidade e a sensibilidade foram de 99 por cento e 82 por cento, respectivamente. Um resultado negativo não exclui, por si só, meningite tuberculosa, dada a sensibilidade variável. O DNA da Mycobacterium tuberculosis pode permanecer detectável no LCR por até um mês após o início do tratamento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu recomendações em 2017 favorecendo o uso do ensaio Xpert MTB/RIF Ultra como teste diagnóstico molecular ideal para meningite tuberculosa. No entanto, um estudo subsequente mostrou que o Xpert Ultra não foi superior ao Xpert MTB/RIF para o diagnóstico de meningite tuberculosa em adultos, com ou sem infecção por HIV.
Os resultados quantitativos dos estudos moleculares podem ser uma ferramenta prognóstica útil. Uma carga bacteriana alta se correlaciona a uma maior gravidade da doença e a maior probabilidade de novos acontecimentos neurológicos após o início da terapêutica.
Tecnologias promissoras, como um novo teste de lipoarabinomanano (FujiLAM), sequenciamento metagenômico de próxima geração e transcriptômica podem vir a melhorar ainda mais nossa capacidade de diagnóstico de meningite tuberculosa. O sequenciamento metagenômico de próxima geração (NGS) está emergindo como uma ferramenta diagnóstica adicional. Estudos preliminares sugerem que a NGS é capaz de identificar M. tuberculosis no LCR, além de distinguir a meningite tuberculosa de outras condições.
A sensibilidade diagnóstica pode ser aumentada com o envio de múltiplas PLs e amostras de LCR (pelo menos três) e volumes maiores (pelo menos 5 mL); no entanto, a terapia antituberculosa empírica não deve ser adiada durante a obtenção de amostras seriadas de LCR.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial de meningite tuberculosa inclui: meningite fúngica, meningite carcinomatosa, neurossífilis, neurobrucelose, meningites virais e bacterianas. A análise geral e microbiológica convencional do LCR, além dos testes moleculares, contribui para a distinção da meningite tuberculosa destas outras etiologias.
TRATAMENTO
A terapia antituberculosa imediata é essencial no tratamento da tuberculose do SNC. Devido à elevada mortalidade associada, o tratamento deve ser iniciado quando há suspeita do diagnóstico e não adiado até que o diagnóstico seja estabelecido. Em geral, o tratamento consiste em uma fase intensiva (quatro medicamentos administrados durante dois meses) seguida de uma fase de continuação (2 medicamentos administrados durante mais 7 a 10 meses), para uma duração total de tratamento de 9 a 12 meses. Em adultos, a fase intensiva inclui isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol. Em crianças, a fase intensiva consiste em isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etionamida ou um aminoglicosídeo no lugar do etambutol, administrados por dois meses. Para adultos e crianças, a fase de continuação consiste em dois medicamentos (isoniazida e rifampicina); com duração de 7 a 10 meses. Glicocorticóides devem ser usados como terapia adjuvante.
Infecção resistente a medicamentos antituberculosos
A meningite tuberculosa resistente a medicamentos tem sido relatada em todo o mundo. A monorresistência à isoniazida é a causa mais frequente de meningite tuberculosa resistente a medicamentos. A tecnologia Xpert MTB/RIF Ultra pode detectar Mycobacterium tuberculosis e resistência à rifampicina no LCR, mesmo com baixa quantidade de bacilos. O regime de medicamentos com levofloxacino, canamicina, etionamida, linezolida e pirazinamida é considerado apropriado, devido à excelente penetração no LCR desses medicamentos. Além disso, a duração da terapia deve ser estendida para 18 a 24 meses, levando em consideração a gravidade da doença, a resposta clínica à terapia e o estado imunológico do paciente.
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