Diagnóstico das Encefalites Autoimunes e Paraneoplásicas

As encefalites associadas a autoanticorpos contra o sistema nervoso central (SNC) constituem um grupo abrangente de condições. Os sintomas destas doenças são habitualmente flutuantes e a maioria (70-80%) apresenta melhora substancial após imunoterapia ou retirada do tumor, nos casos de doenças paraneoplásicas, ressaltando a importância do diagnóstico precoce. 

O diagnóstico se baseia em 3 critérios: 

a) Presença da síndrome neurológica;  

b) Detecção de anticorpos específicos no soro e/ou no líquor (LCR). Estes anticorpos devem ser testados, sempre que possível, no soro e no LCR, visto que podem estar negativos no soro e positivos em LCR, ou vice-versa; 

c) Identificação da neoplasia de base nos casos de síndromes paraneoplásicas. 

As encefalites associadas a autoanticorpos são divididas em: 

  • Encefalites por anticorpos contra antígenos de superfície: também chamadas de encefalites autoimunes. Podem ou não estar associadas a uma neoplasia de base. 
  • Encefalites por anticorpos contra antígenos intracelulares: também chamadas de encefalites paraneoplásicas. Estão associadas a uma neoplasia de base em quase 100% dos casos.    

2) Encefalites autoimunes e paraneoplásicas 

As encefalites autoimunes ou paraneoplásicas podem se manifestar como uma encefalite límbica, encefalite de tronco encefálico, ou fazer parte do envolvimento mais amplo do neuroeixo, por exemplo, na forma de encefalomielite. 

Os sintomas em geral têm um início agudo ou subagudo. Em mais da metade dos pacientes, a síndrome neurológica se desenvolve antes que a neoplasia tenha sido identificada.

2.1) Encefalites límbicas

O quadro é marcado por sintomas neuropsiquiátricos (delírio, alterações de humor, cognição, personalidade), além de crises epilépticas focais ou generalizadas. 

A encefalite anti-receptor anti-NMDA é uma encefalite autoimune e é a mais comum deste grupo. Pode estar associada à detecção de um teratoma ovariano em aproximadamente 50 por cento das pacientes do sexo feminino com mais de 18 anos. Clinicamente, pode apresentar peculiaridades. Uma síndrome prodrômica semelhante a um quadro viral é frequente. As manifestações psiquiátricas são proeminentes (ansiedade, agitação, comportamento bizarro, alucinações, delírios, pensamento desorganizado, psicose). Outras manifestações incluem: distúrbios do sono, incluindo redução do sono no início da doença e hipersonia durante a recuperação; déficits cognitivos; redução do nível de consciência, estupor com características catatônicas; discinesias – orofaciais; movimentos coreoatetoides; distonia; rigidez; posturas opistotônicas; instabilidade autonômica: hipertermia, flutuações da pressão arterial, taquicardia, bradicardia, pausas cardíacas e, às vezes, hipoventilação que requer ventilação mecânica; disfunção de linguagem: produção de linguagem diminuída, mutismo, ecolalia.

Outras encefalites também podem apresentar características clínicas peculiares: 

  • Encefalite associada a anti-LGI-1: distúrbios cognitivos, confusão mental e crises epilépticas, sendo que os pacientes podem apresentar hiponatremia e distúrbio comportamental do sono REM; 
  • Encefalite associada a anti-Caspr2: pode se manifestar como encefalite límbica, como síndrome de Morvan (neuromiotonia, déficit cognitivo e confusão mental, distúrbios do sono, instabilidade autonômica) e, em um pequeno número de pacientes, com neuromiotonia isolada; 
  • Encefalite anti-receptor GABA-A e B: encefalite rapidamente progressiva com crises epilépticas refratárias, estado de mal epiléptico e/ou epilepsia parcial contínua; 
  • Doença anti-IgLON5: movimentos anormais, distúrbios de marcha e equilíbrio associados a distúrbios de sono;
  • Encefalite anti-DPPX: os pacientes desenvolvem sintomas prodrômicos graves de perda de peso, diarreia ou outros sintomas gastrointestinais, seguidos, dentro de alguns meses, pelo desenvolvimento de encefalite com hiperexcitabilidade central, como hiperecplexia, agitação, mioclonias, tremor e crises epilépticas.

2.2) Encefalite de tronco

A disfunção do tronco cerebral frequentemente ocorre em associação com outras síndromes, como encefalite límbica, degeneração cerebelar ou encefalomielite. Em alguns pacientes, entretanto, os sinais clínicos e os achados patológicos (como infiltrados inflamatórios perivasculares e intersticiais, gliose e perda de neurônios) são restritos ao tronco cerebral. O termo “rombencefalite” é também usado para denotar condições inflamatórias que afetam a parte inferior do tronco cerebral. Os sintomas e sinais mais frequentes incluem alterações da motilidade ocular, opsoclonus, nistagmo, disfagia, disartria, surdez neurossensorial, déficit sensorial em território do trigêmeo, hipoventilação central e vertigem.

2.3) Encefalomielite

A encefalomielite é caracterizada pelo envolvimento de várias áreas do sistema nervoso, incluindo as regiões límbico-temporais, tronco cerebral, cerebelo, medula espinhal, gânglios da base e sistema nervoso autônomo. A distribuição da doença e dos sintomas é variável.

2.4) Transtornos de movimento e ataxias

Os transtornos de movimento mais frequentes nas síndromes paraneoplásicas e autoimunes são:

  • Ataxia cerebelar rapidamente progressiva, 
  • Síndromes hipercinéticas (coreia), 
  • Mioclonias (incluindo a síndrome opsoclonus-mioclonus).

Tais sintomas tendem a ter instalação subaguda e progressão rápida.  

2.5) Outras síndromes neurológicas paraneoplásicas

  • Encefalomielite anti-CRMP5 – Nessa encefalite os sintomas corticais geralmente não se limitam ao sistema límbico. Outros sintomas, incluindo ataxia cerebelar, coreia, neuropatias cranianas, perda de olfato e paladar e/ou neuropatia óptica foram descritos. Outras síndromes paraneoplásicas associadas a esses anticorpos incluem neuropatia sensório-motora axonal, uveíte e neurite óptica.
  • Síndrome da pessoa rígida – a síndrome da pessoa rígida pode ocorrer isoladamente ou como parte da encefalomielite. A síndrome da pessoa rígida paraneoplásica está associada a anticorpos antianfifisina e raramente a anticorpos para a descarboxilase do ácido glutâmico (GAD) ou os receptores de glicina (GlyR) que estão mais comumente associados à síndrome não paraneoplásica.

De acordo com as síndromes clínicas, os anticorpos mais comumente associados são mostrados na Tabela 1

Síndrome clínicaEncefaliteEMIELSCOMSPRDIAOutros
Anti-fifisinaxx
AGNA/SOX-1X
ANNA-1(HU)XXXX
ANNA-2(RI)X (tronco)XX
PCA-1(YO)X
GFAPX
PCA-2XX
PCA-TrXX
CV2(=CRMP-5)X (coreia)XX
GADXXX
DPPXXTremor, diarreia, perda de peso
GLUR1XX
AMPA1/AMPA2
X
GABA-B1 e B2X
LGI1XDistonia, hiponatremia
CASPR2XXX
NMDAXDiscinesias, quadro psiquiátrico
GLUR2X

EMIEL: encefalomielite, SC: síndrome cerebelar, OM:  SPR: síndrome da pessoa rígida, DIA: disautonomia.

3) Diagnóstico: 

Pacientes com suspeita de encefalite autoimune ou paraneoplásica devem ser investigados por neuroimagem, eletroencefalograma (EEG), líquor (LCR) e pesquisa dos anticorpos específicos.

A ressonância (RM) pode mostrar hiperintensidades em T2 e FLAIR, com ou sem captação de gadolínio, nos lobos temporais mediais e/ou tronco cerebral, regiões subcorticais e cerebelo. O EEG pode revelar anormalidades inespecíficas, tais como lentificação focal ou generalizada, atividade epileptiforme e descargas periódicas (PLEDs). 

Os anticorpos paraneoplásicos e autoimunes devem ser testados no soro e no LCR. Os anticorpos, as síndromes clínicas potencialmente associadas e as neoplasias possivelmente associadas são mostradas nas tabelas 2 (encefalites paraneoplásicas) e 3 (encefalites límbicas): 

Tabela 2) Anticorpos das encefalites paraneoplásicas: 

ANTICORPOSíndrome clínicaNEOPLASIAS ASSOCIADAS
AntififisinaSìndrome da pessoa rígida/ EncefalomieliteCPPC, Ca mama
AGNA/SOX-1Síndrome de Lambert-Eaton/Polineuropatia/Degeneração cerebelarCPPC
ANNA-1(HU)Encefalomielite incluindo encefalite cortical, límbica e do tronco cerebral; degeneração cerebelar; mielite; neuronopatia sensorial; e/ou disfunção autonômicaCPPC
ANNA-2(RI)Degeneração cerebelar, encefalite do tronco cerebral, opsoclonia-miocloniaGinecológico, CPPC
PCA-1(YO)Degeneração cerebelarGinecológico
GFAPMeningoencefaliteNeoplasia sistêmica 1/3 dos casos
PCA-2Neuropatia periférica, ataxia cerebelar, encefalopatiaCPPC
PCA-TrDegeneração cerebelar paraneoplásica (DCP) e Encefalopatia límbica (LE)Linfoma de Hodgkin
CV2(=CRMP-5)Encefalomielite, degeneração cerebelar, coreia, neuropatia periféricaCPPC, timoma
GADEncefalomielite, degeneração cerebelar, opsoclonus-mioclonusCPPC, timoma

*Carcinoma de pequenas células do pulmão

Tabela 3) Anticorpos das encefalites autoimunes: 

ANTICORPOSíndrome clínicaNEOPLASIAS ASSOCIADAS
GLUR1Ataxia cerebelar, muitas vezes com alterações cognitivas, convulsões, sintomas psiquiátricosLinfoma de Hodkin ou ausência de tumor
AMPA1/AMPA2Encefalite límbica, distúrbios psiquiátricos70% dos casos (tumores sólidos)
GABA-B1 e B2Convulsões, encefalite límbica50% dos casos (CPPC)
LGI1Encefalite límbica, convulsões, crises distônicas facio-braquiais, hiponatremia5-10% (timoma)
CASPR2Síndrome de Morvan, encefalite límbica, dor neuropática, neuropatia periférica, disfunção autonômica, ataxia cerebelar, neuromiotonia isoladaGeralmente não está associado à neoplasia, raros casos de timoma
NMDAPsicose, insônia, distúrbios de memória e comportamento, convulsões, discinesias e disfunção autonômicaPresença de teratoma ovariano dependente da idade; raramente outros tumores em pacientes mais velhos ou homens
GLUR2Ataxia cerebelarRaros casos com neoplasias
DPPXEncefalopatia com hiperexcitabilidade do SNC, hiperplexia, mioclonia, tremor, perda de peso, diarreia ou sintomas gastrointestinaisRara associação com linfoma de células B

Referências

  • Ariño H, Höftberger R, Gresa-Arribas N, et al. Paraneoplastic Neurological Syndromes and Glutamic Acid Decarboxylase Antibodies. JAMA Neurol 2015;72:874-81.
  • Bekircan-Kurt CE, Derle Çiftçi E, Kurne AT, Anlar B. Voltage gated calcium channel antibody-related neurological diseases. World J Clin Cases 2015;3:293-300.
  • Boronat A, Gelfand JM, Gresa-Arribas N, et al. Encephalitis and antibodies to dipeptidyl-peptidase-like protein-6, a subunit of Kv4.2 potassium channels. Ann Neurol 2013;73:120-8.
  • Camdessanché JP, Antoine JC, Honnorat J, et al. Paraneoplastic peripheral neuropathy associated with anti-Hu antibodies. A clinical and electrophysiological study of 20 patients. Brain 2002;125(Pt 1):166-75.
  • Dalmau J, Graus F, Villarejo A, et al. Clinical analysis of anti-Ma2-associated encephalitis. Brain 2004;127(Pt 8):1831-44.
  • Dutra LA, Abrantes F, Toso FF, Pedroso JL, Barsottini OGP, Hoftberger R. Autoimmune encephalitis: a review of diagnosis and treatment. Arq Neuropsiquiatr. 2018 Jan;76(1):41-49. 
  • Gaig C, Compta Y, Heidbreder A, et al. Frequency and Characterization of Movement Disorders in Anti-IgLON5 Disease. Neurology. 2021 Aug 11;97(14):e1367–81. 
  • Graus F, Boronat A, Xifró X, et al. The expanding clinical profile of anti-AMPA receptor encephalitis. Neurology 2010;74:857-9.
  • Gresa-Arribas N, Titulaer MJ, Torrents A, et al. Antibody titres at diagnosis and during follow-up of anti-NMDA receptor encephalitis: a retrospective study. Lancet Neurol 2014;13:167-77.
  • Keegan BM, Pittock SJ, Lennon VA. Autoimmune myelopathy associated with collapsin response-mediator protein-5 immunoglobulin G. Ann Neurol. 2008;63:531-4.
  • Lai M, Huijbers MG, Lancaster E, et al. Investigation of LGI1 as the antigen in limbic encephalitis previously attributed to potassium channels: a case series. Lancet Neurol 2010;9:776-85.
  • Lancaster E, Dalmau J. Neuronal autoantigens–pathogenesis, associated disorders and antibody testing. Nat Rev Neurol 2012;8:380-90.
  • Lancaster E, Huijbers MG, Bar V, et al. Investigations of caspr2, an autoantigen of encephalitis and neuromyotonia. Ann Neurol 2011;69:303-11.
  • Peterson K, Rosenblum MK, Kotanides H, Posner JB. Paraneoplastic cerebelar degeneration. I. A clinical analysis of 55 anti-Yo antibody-positive patients. Neurology 1992;42:1931-7.
  • Petit-Pedrol M, Armangue T, Peng X, et al. Encephalitis with refractory seizures, status epilepticus, and antibodies to the GABAA receptor: a case series, characterisation of the antigen, and analysis of the effects of antibodies. Lancet Neurol 2014;13:276-86.
  • Titulaer MJ, McCracken L, Gabilondo I, et al. Treatment and prognostic factors for long-term outcome in patients with anti-NMDA receptor encephalitis: an observational cohort study. Lancet Neurol 2013;12:157-65.
  • Yu Z, Kryzer TJ, Griesmann GE, Kim K, et al. CRMP-5 neuronal autoantibody: marker of lung cancer and thymoma-related autoimmunity. Ann Neurol 2001;49:146-54.