DIFERENÇAS ENTRE OS EXAMES DE LIQUOR E DE SANGUE NO DIAGNÓSTICO DA DOENÇA DE ALZHEIMER

A Doença de Alzheimer (DA) é a doença neurodegenerativa mais comum e a maior causa de demência no mundo. Do ponto de vista patológico, é caracterizada pelo acúmulo de placas amiloides extracelulares, emaranhados neurofibrilares intracelulares e neuroinflamação. A patogênese da doença de Alzheimer (DA) está relacionada à agregação de proteínas tóxicas que não são adequadamente eliminadas do cérebro. A β-amiloide (Aβ) compõe as placas amiloides, e a proteína tau está presente nos emaranhados neurofibrilares. 

O diagnóstico definitivo da Doença de Alzheimer (DA) é feito pelo exame histopatológico, não sendo, portanto, possível na prática clínica. Até recentemente, os critérios diagnósticos eram baseados exclusivamente em elementos clínicos, como os sintomas de demência, que incluem comprometimento das atividades de vida diária, declínio em relação ao nível prévio de funcionamento e desempenho, comprometimento cognitivo e exame objetivo do estado mental demonstrando comprometimento de domínios cognitivos. Nos últimos anos, biomarcadores laboratoriais e de imagem vêm sendo introduzidos. Eles são capazes de identificar o processo patológico da DA, incluindo a deposição extracelular de beta-amiloide e o acúmulo da proteína tau nos emaranhados neurofibrilares. 

Os biomarcadores de deposição de beta-amiloide são a redução da isoforma Aβ42 (ou da razão Aβ42/Aβ40) no liquor (LCR) e a identificação de depósito amiloide no cérebro por meio do PET amiloide. Os biomarcadores para os emaranhados neurofibrilares mais utilizados são o aumento da Tau total (t-tau) e da Tau fosforilada (p-tau) no LCR. 

Mais recentemente, foram desenvolvidos alguns sistemas para mensurar os biomarcadores a partir de amostras de sangue. A medição de biomarcadores no soro ou plasma tornou-se possível graças ao aumento da sensibilidade proporcionado por algumas plataformas de diagnóstico. A concentração das proteínas- alvo no sangue é muito mais baixa que no LCR, tornando necessária a utilização de plataformas específicas que amplifiquem o sinal de detecção e quantificação. Além disso, há interferência das proteínas plasmáticas nestas mensurações. Plataformas como o SiMoA (Single Molecule Array), redução imunomagnética, ensaios multiplex (por exemplo, xMAP-[173], MSD, entre outros), têm sido testadas com a finalidade de reduzir a interferência de proteínas sanguíneas e anticorpos heterofílicos e amplificar a sensibilidade, permitindo a detecção de concentrações picomolares/mL (ou menores) das proteínas- alvo. 

Outro biomarcador que vem sendo utilizado na avaliação de pacientes com DA é o neurofilamento de cadeia leve (NfL). O NfL faz parte do citoesqueleto axonal neuronal, auxilia na manutenção do calibre neuronal e desempenha um papel no transporte intracelular para axônios e dendritos. Com o processo neurodegenerativo, o NfL é liberado no espaço extracelular. O aumento de NfL tem sido detectado no LCR e no sangue e parece ser extremamente sensível desde o início da DA, correlacionando-se com os achados do PET amiloide. Embora a concentração de NfL no sangue seja muito mais baixa que no LCR, alguns estudos mostram correlação aceitável entre os valores detectados no LCR e do sangue, tornando o NfL um dos mais confiáveis biomarcadores para prever o início e o curso da neurodegeneração.

Apesar do desenvolvimento recente dos biomarcadores no sangue, ainda restam dúvidas sobre a precisão diagnóstica, reprodutibilidade, bem como sua eficácia comparativa em relação ao LCR. A tabela abaixo apresenta uma comparação geral entre a dosagem no LCR e no sangue: 

 

LCR Soro ou plasma
Obtenção da amostra Mesmo sendo um pouco menos conveniente que a coleta de sangue, a punção lombar (PL) é um procedimento seguro e pouco doloroso Mais conveniente
Relação com o processo patológico O LCR é a forma mais direta de avaliar biomarcadores, refletindo de forma mais próxima o que acontece no cérebro. Embora haja correlação, as concentrações dos biomarcadores são muito mais baixas, sendo possível sua quantificação apenas com plataformas específicas.
Custo Menor, pois pode ser realizado por ELISA ou em plataformas que não exigem uma amplificação do sinal. Pode ser bem mais elevado, em especial quando realizada através das plataformas ultrassensíveis.
Aβ42 Os níveis de Aβ1-42 podem ser reduzidos em até 50% em relação aos controles. Redução no plasma

de apenas cerca de 15% em relação aos controles.

Correlação com a deposição de Aβ cerebral pelo PET Boa correlação evolutiva. Não funciona tão bem quanto àa mensuração em LCR, mostrando uma

faixa mais estreita de variação da concentração com a evolução temporal.

Relação Aβ42/40 Razão Aβ42/40 no LCR provou ser um marcador confiável de DA,

tanto no estágio de demência quanto CCL, bem como do risco de progressão de CCL para DA. Além disso, foi útil para diferenciar a DA de outras alterações cognitivas não DA.

O LCR Aβ42/40 correlaciona-se quase completamente

com PET amiloide e, quando há discordância, estudos longitudinais mostraram que a o PET

torna-se positivo em alguns anos. 

Ensaios de alta precisão para plasma Aβ42/40, usando imunoprecipitação seguida de espectroscopia de massa mostram acurácia de 90% em relação ao depósito amiloide pelo PET.
Tau-T e Tau-P Os aumentos destas proteínas são específicos para AD pois o padrão de fosforilação de tau que ocorre na DA é específico dessa doença. Plataformas ultrassensíveis têm sido desenvolvidas e testadas para mensurar a Tau-T e a p-tau181 e p-tau217. Os resultados são promissores, mas ainda faltam dados definitivos para implementar seu uso na prática clínica.
NfL Ótima correlação com processo neurodegenerativo, estando aumentado muito antes do início dos sintomas. Embora tenha boa correlação com a concentração no LCR, há necessidade de utilização de uma plataforma ultrassensível, visto que as concentrações sanguíneas são extremamente baixas. 

 

Conclusões

Nenhum biomarcador único no LCR, sangue, imagem ou cognitivo, é totalmente capaz de predizer o início e o curso de DA de forma confiável. A combinação de biomarcadores é necessária para alcançar previsões confiáveis. A redução de Aβ42 no LCR, mais bem avaliada pela razão Aβ42/40, começa muito antes do início dos sintomas, atingindo o pico alguns anos depois, em paralelo com os achados do PET amiloide. A elevação da tau no LCR ocorre depois do aumento de Aβ e representa a gravidade clínica da doença. 

A utilização de biomarcadores no sangue representa uma promessa, mas as tecnologias disponíveis ainda carecem de facilidade de uso, sensibilidade adequada, especificidade, e menor interferência produzida por fatores de confusão associados ao processo de envelhecimento. 

Por hora, os marcadores no LCR são mais acessíveis, fornecem informações mais amplas, permitem a quantificação de Aβ42, Aβ42/40, p-tau, t-tau e NfL, sem a necessidade de uma plataforma ultrassensível, e encontram-se em um estágio mais avançado de validação clínica e verificação de reprodutibilidade. Além disso, o exame do LCR permite explorar outras etiologias (p. ex. inflamatórias e infecciosas) das demências, auxiliando, de forma ampla, o diagnóstico clínico.

 

Referências

  • d’Abramo C, D’Adamio L, Giliberto L. Significance of Blood and Cerebrospinal Fluid Biomarkers for Alzheimer’s Disease: Sensitivity, Specificity and Potential for Clinical Use. J Pers Med. 2020 Sep 8;10(3):116. doi: 10.3390/jpm10030116. PMID: 32911755; PMCID: PMC7565390.
  • Bjerke M, Engelborghs S. Cerebrospinal Fluid Biomarkers for Early and Differential Alzheimer’s Disease Diagnosis. J Alzheimers Dis. 2018;62(3):1199-1209. doi: 10.3233/JAD-170680. PMID: 29562530; PMCID: PMC5870045.
  • Altuna-Azkargorta M, Mendioroz-Iriarte M. Blood biomarkers in Alzheimer’s disease. Neurologia (Engl Ed). 2021 Nov-Dec;36(9):704-710. doi: 10.1016/j.nrleng.2018.03.006. Epub 2020 Feb 19. PMID: 34752348.
  • Olsson B, Lautner R, Andreasson U, Öhrfelt A, Portelius E, Bjerke M, Hölttä M, Rosén C, Olsson C, Strobel G, Wu E, Dakin K, Petzold M, Blennow K, Zetterberg H. CSF and blood biomarkers for the diagnosis of Alzheimer’s disease: a systematic review and meta-analysis. Lancet Neurol. 2016 Jun;15(7):673-684. doi: 10.1016/S1474-4422(16)00070-3. Epub 2016 Apr 8. PMID: 27068280.