Encefalopatias e erros inatos do metabolismo: importância do líquor (LCR)

As encefalopatias metabólicas da infância resultam da ausência ou deficiência de alguma enzima, com consequente acúmulo do metabólito processado por esta enzima. 

Tais defeitos resultam em síndromes clínicas que podem ser caracterizadas por: a) encefalopatia por intoxicação por tais metabólitos ou b) defeitos na produção de energia, com consequências em múltiplos órgãos, como coração, músculos esqueléticos, fígado, e cérebro.   

As encefalopatias são do tipo progressivo, ou seja, as crianças têm um período assintomático até o efetivo acúmulo dos metabólitos tóxicos. Assim, podem ter um desenvolvimento inicial normal, evoluindo com progressiva deterioração. As síndromes/manifestações clínicas mais comuns são:  

  • Encefalopatia progressiva neonatal 
  • Epilepsia infantil ou neonatal rafratária/Encefalopatia mioclônica infantil 
  • Síndromes extrapiramidais (distonia, discinesia, coreia, ataxia, rigidez e hipertonia) 
  • Ptose, miose, crises oculógiras 
  • Distúrbios autonômicos (hipersalivação, distúrbios da regulação térmica e da motilidade intestinal) 

Os defeitos metabólicos que mais frequentemente causam estas encefalopatias são: desordens dos aminoácidos, acidemias orgânicas, desordens no ciclo da ureia e desordens do metabolismo dos carboidratos.  

Desordens dos aminoácidos: resultam em acúmulo anormal de aminoácidos no plasma ou urina. O quadro clínico caracteriza-se pelo aparecimento rápido de sintomas, em crianças com estado neurológico prévio intacto, agravados pela ingestão de alimentos ricos em proteínas.

Os sintomas podem progredir rapidamente para coma ou morte se não forem reconhecidos e tratados prontamente. Em crianças maiores, geralmente ocorre atraso ou regressão no desenvolvimento.  

A determinação da concentração dos seguintes aminoácidos, por cromatografia líquida, em sangue e LCR, contribui na identificação destas encefalopatias: treonina, serina, asparagina, glutamina, prolina, glicina, alanine, valina, metionina, isoleucine, leucina, tirosina, fenilalanina, ornitina, histidina e arginina.  

Acidemias orgânicas: resultam de acúmulo de metabólitos de ácidos orgânicos no sangue ou urina. Clinicamente, também se manifestam por comprometimento neurológico surgindo após um período de desenvolvimento normal. 

Bioquimicamente caracterizam-se por acidose, hiperamoniemia, cetose e hipoglicemia. A confirmação da etiologia envolve a determinação de aminoácidos ácidos orgânicos.  

Desordens do ciclo da ureia: caracterizam-se por defeitos no ciclo metabólico que resulta na conversão do nitrogênio em ureia. Bioquimicamente, resultam em hiperamoniemia, alcalose respiratória, cetose e disfunção hepática.  

Desordens do metabolismo de carboidratos: Os distúrbios do metabolismo dos carboidratos podem causar hipoglicemia, disfunção hepática, miopatia e/ou cardiomiopatia. Resultam de defeitos do metabolismo da via do glicogênio, galactose ou frutose. 

As crianças com distúrbios do metabolismo de carboidratos podem apresentar letargia, encefalopatia e hipoglicemia durante períodos de jejum ou baixa ingestão de carboidratos. Hepatomegalia pode estar presente. Bioquimicamente apresentam-se com cetose, hipoglicemia, acidose metabólica e disfunção hepática. 

A confirmação do diagnóstico envolve análise de DNA ou ensaio de atividade enzimática em células do sangue.  

Outros defeitos metabólicos podem determinar quadros neurológicos na infância:  

  • Aminas biogênicas e Pterinas: relacionadas ao metabolismo da serotonina e dopamina. Clinicamente, podem estar associados a quadros de distúrbios do movimento.  
  • GABA: distúrbios da síntese de GABA estão associados a crises convulsivas refratárias em recém nascidos.  
  • Folato: os defeitos da síntese de folato estão associados a várias manifestações neurológicas, incluindo alterações difusas da substância branca, crises convulsivas, hipotonia, discinesia, distonia, ataxia, espasticidade e mioclonias.  
  • Vitamina B6 – os defeitos da síntese de vitamina B6 estão associados a crises convulsivas, responsivas à reposição de piridoxina.  
  • Tiamina – os defeitos da síntese dessa vitamina resultam em alterações sistêmicas como anemia megaloblástica, acidose, diabetes e surdez. Manifestações neurológicas, como comprometimento dos gânglios da base, síndrome de Leigh e espasmos infantis, também ocorrem. Os sintomas são responsivos à administração de biotina-tiamina.  

O LCR no diagnóstico das desordens neurometabólicas 

As investigações liquóricas mais importantes em crianças com encefalopatia e suspeita de desordens neurometabólicas são:  

  • Glicose (concomitante à do plasma) 
  • Lactato/Piruvato 
  • Aminoácidos (principalmente glicina, serina, alanina e treonina) 
  • Aminas biogênicas: desordens de síntese de neurotransmissores 
  • Pterinas 
  • 5-metiltetrahidrofolato (distúrbio do transporte de folato)  
  • Vitamina B1 e Vitamina B6 

Para a realização de tais determinações, além da análise bioquímica convencional, a cromatografia líquida é também utilizada. Em geral, é necessária uma investigação ampla, visto que, clinicamente, a sintomatologia destas condições é muito inespecífica e sobreposta. 

O avaliação a partir de marcadores bioquímicos em vários fluidos, incluindo o LCR, deve anteceder a análise genética, que deve ser direcionada conforme o padrão das alterações nas concentrações destas substâncias.  

Algumas destas condições podem se beneficiar do tratamento, por isso o diagnóstico precoce fundamental. Com a introdução de novas técnicas ômicas (genômica direcionada e não direcionada e proteômica), novos marcadores poderão ser identificados no futuro.  

Bibliografia consultada