A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença caracterizada pela degeneração progressiva de neurônios motores, cuja prevalência é de 4,1 e 8,4 indivíduos/100.000 habitantes. A expectativa média de vida é de 2 a 5 anos.
Fisiopatologia
Fatores genéticos e exógenos podem contribuir para o processo de destruição neuronal. Mutações em vários genes podem causar ELA familiar e contribuir para o desenvolvimento de ELA esporádica. Estima-se que 60% dos indivíduos com ELA familiar tenham uma mutação genética identificável. A causa da condição nos demais indivíduos é desconhecida. Mutações no gene C9orf72 são responsáveis por 30 a 40% dos casos de ELA familiar. As mutações do gene SOD1 causam 15 a 20% dos quadros de ELA familiar e mutações dos genes TARDBP e FUS respondem por cerca de 5% dos casos. Os outros genes que têm sido associados à ELA familiar respondem por uma pequena proporção de casos.
A causa da ELA esporádica é ainda desconhecida, mas provavelmente envolve uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Variações em muitos genes, incluindo os envolvidos na transmissão de impulsos nervosos e transporte molecular dentro dos neurônios, aumentam o risco dessa doença. Embora variações genéticas estejam possivelmente associadas à ELA esporádica, esses fatores ainda não foram bem caracterizados, e não está claro como eles influenciam no desenvolvimento da patologia. É provável que, além de variações genéticas que aumentem o risco de ELA, gatilhos ambientais adicionais sejam necessários para o desenvolvimento da doença.
Fatores de risco
Entre os fatores de risco para a ELA, encontram-se a hereditariedade, a idade (comumente entre 40 e 60 anos) e o gênero do paciente – homens são acometidos 2 vezes mais que as mulheres. Outros fatores, como o tabagismo e a prática reduzida de atividades físicas, bem como a exposição ao chumbo e o serviço militar, também podem estar relacionados, embora ainda não haja comprovação definitiva.
Diagnóstico
O diagnóstico de ELA é dado principalmente pela análise do quadro clínico e o exame físico. O exame mais importante para o diagnóstico dessa doença é a eletroneuromiografia. Outros exames comumente realizados são a neuroimagem, como ressonância magnética do cérebro e o SPECT. Embora possuam papel limitado na prática clínica, podem mostrar sinais anormais nas vias motoras do córtex motor para o tronco cerebral.
É importante ressaltar que o diagnóstico normalmente é tardio, devido à progressão gradual dos sintomas, que acabam sendo tratados preliminarmente com diagnósticos diferentes, justificando a pesquisa de novos biomarcadores diagnósticos, de avaliação prognóstica e de monitorização terapêutica.
Biomarcadores
Os principais biomarcadores que vêm sendo estudados em relação à ELA são:
- Neurofilamentos
Os neurofilamentos (Nf) compõem o citoesqueleto neuronal e consistem em três cadeias: leve (NfL) com peso de 68-70 kDa, intermediária (NfM), com 145-160 kDa e pesada (NfH), com 200-220 kDa. Os Nf são liberados em quantidades significativas no LCR após processos de degeneração axonal, independentemente da causa, podendo ser usados para avaliar processos neurodegenerativos.
Vários estudos mostraram que os níveis de Nf são significativamente elevados em pacientes com ELA em comparação com outras condições. As sensibilidades e especificidades diagnósticas foram de até 80%. Níveis mais altos também foram associados a uma progressão mais rápida da doença. Aumentos de NfL e NfH também foram observados na fase clínica precoce de pacientes com ELA genética e ELA esporádica. A primeira alteração da doença parece estar associada a um aumento maciço de neurofilamentos no LCR, seguida por um aumento nos níveis de NfL observados no sangue.
A diferença na dinâmica de níveis de NfL comparados com os níveis de NfH na ELA sugere que o próprio processo neurodegenerativo altera a relação quantitativa de subunidades de neurofilamento. Por esse motivo, estudos mostram que o NfH tem melhor desempenho diagnóstico que o NfL, nesta condição. O NfH no soro pode ser mensurado por ELISA, sem necessidade do SiMoA, tendo boa correlação com a dosagem em LCR, embora com sensibilidade um pouco mais baixa.
Há evidências crescentes de uma fase pré-sintomática da ELA, em que há uma elevação de NfL precedendo o início dos sintomas, abrindo perspectivas de intervenção precoce. O estudo ATLAS investigará se a medicação tofersen, um oligonucleotídeo concebido para reduzir a síntese da proteína superóxido dismutase 1 (SOD1), pode retardar o surgimento da ELA clinicamente manifesta em indivíduos pré-sintomáticos. Essa pesquisa clínica inclui adultos que não apresentam sinais ou sintomas clínicos de ELA, mas carregam uma variante do gene SOD1 que está associada a uma doença rapidamente progressiva e que também tenham NfL elevado, indicando atividade da doença.
- Marcadores genéticos de prognóstico
O genótipo UNC13A foi identificado como tendo um efeito modificador positivo da resposta terapêutica em pacientes com ELA, em ensaios clínicos com o uso de lítio. Variantes do gene SOD1 (A4V) ou SNPs UCL13A foram associadas a um mau prognóstico da ELA.
- Marcadores inflamatórios
Vários estudos avaliaram o papel de citocinas e outros mediadores inflamatórios na ELA. Os resultados agrupados apontam para a desregulação de muitas dessas citocinas. A interleucina-6 (IL-6) é uma das citocinas mais frequentemente avaliadas, sendo que alguns autores correlacionaram os níveis desta molécula com a progressão da doença.
Com base nesses achados, algumas drogas com ação anti-inflamatória vêm sendo testadas no tratamento da ELA:
— Anakinra: aprovada pelo FDA no tratamento da artrite reumatoide, é antagonista do IL1R, limitando os efeitos da IL1β. Os estudos preliminares mostram que o bloqueio de IL-1 é seguro em pacientes com ELA, mas ainda são necessários mais estudos para avaliação da eficácia;
— Tocilizumabe: anticorpo monoclonal contra o receptor IL6, utilizado no tratamento da AR;
— Fingolimode: terapia oral aprovada para EM que reduz os linfócitos efetores que saem dos órgãos linfáticos secundários, limitando a migração de células T patogênicas para o SNC, ao mesmo tempo que aumenta a proporção de células Treg protetoras circulantes.
- Quitinases
As quitinases pertencem a uma grande família de hidrolases com potencial relevância em diferentes doenças neurológicas por ser um marcador de atividade glial. A elevação de quitinases em pacientes com ELA, como CHIT1, quitinase-3-like protein-3 1 (YKL-40) e quitinase-3-like protein-2 (YKL-39), tem sido mostrada.
A elevação da quitinase CHIT1 no LCR foi associada a um maior risco de morte mais precoce. Níveis mais elevados de CHIT1 e CHI3L2 no LCR foram correlacionados com maior comprometimento neurológico. A concentração de CHI3LI (YKL-40) em combinação com a de NfL no LCR foi inversamente associada à taxa de sobrevivência. As quitinases em LCR podem fazer parte de um painel de biomarcadores para avaliar objetivamente o impacto das intervenções terapêuticas imunomoduladoras na ELA.
- Dimetilação da arginina
Um estudo mostrou que pacientes com ELA têm aumento dimetilação da arginina, e que um crescimento da razão dimetilarginina (ADMA)/L-arginina pode ser preditor de prognóstico. Esse estudo mostrou que a concentração de ADMA no LCR foi significativamente maior em pacientes com ELA do que em controles e que a relação da ADMA/l-arginina se correlacionou com a taxa de declínio na Escala de Classificação Funcional da ELA. Além disso, essa razão foi um preditor independente de sobrevida global, sendo que uma alta razão ADMA/l-arginina foi um preditor de mau prognóstico.
Conclusões
Os estudos mostram que diversos biomarcadores liquóricos têm sido testados, mostrando resultados promissores, seja em termos diagnósticos, seja prognósticos e de avaliação terapêutica. Há ainda necessidade de novos biomarcadores, bem como de maior validação dos já conhecidos. Estudos multicêntricos e ensaios clínicos multicêntricos podem contribuir para o desenvolvimento e uma melhor avaliação desses marcadores.
Dada a complexidade dos mecanismos subjacentes à ELA, um único marcador não será capaz de abranger toda a complexidade da doença, sendo necessário combinar diferentes indicadores de lesão, propiciando uma visão mais global do processo neurodegenerativo, bem como ampliando as possibilidades de intervenção terapêutica.
Bibliografia consultada
Feldman EL, Goutman SA, Petri S, et al. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2022;400(10360):1363-1380. doi:10.1016/S0140-6736(22)01272-7.
Gaur N, Perner C, Witte OW, Grosskreutz J. The Chitinases as Biomarkers for Amyotrophic Lateral Sclerosis: Signals From the CNS and Beyond. Front Neurol. 2020;11:377. Published 2020 May 27. doi:10.3389/fneur.2020.00377.
Gittings LM, Sattler R. Recent advances in understanding amyotrophic lateral sclerosis and emerging therapies. Fac Rev. 2020;9:12. Published 2020 Nov 17. doi:10.12703/b/9-12.
Huang F, Zhu Y, Hsiao-Nakamoto J, et al. Longitudinal biomarkers in amyotrophic lateral sclerosis. Ann Clin Transl Neurol. 2020;7(7):1103-1116. doi:10.1002/acn3.51078.
Kelsey R. Arginine dimethylation is increased in patients with ALS and can predict disease progression. Nat Rev Neurol. 2019;15(5):246.
Witzel S, Mayer K, Oeckl P. Biomarkers for amyotrophic lateral sclerosis. Curr Opin Neurol. 2022;35(5):699-704. doi:10.1097/WCO.0000000000001094.