Sinopse:
Um estudo inédito americano mostrou que a concentração de vasoporessina, um neuropeptídeo cerebral relacionado ao comportamento social, está diminuída em pacientes com autismo, em comparação com pessoas sem esta condição. Além disso, a concentração deste neuropeptídeo foi inversamente relacionada à gravidade dos sintomas em meninos com autismo.
Embora esta dosagem ainda não possa ser clinicamente preconizada para o diagnóstico de autismo, que é baseado sobretudo em dados clínicos, os achados deste estudo sinalizam a importância da pesquisa de biomarcadores nesta condição. A avaliação de novos biomarcadores é particularmente relevante em amostras de líquor (LCR), pelo fato deste fluído refletir melhor as alterações neuroquímicas cerebrais do que o sangue.
Os achados deste estudo trazem esperança para o desenvolvimento de métodos mais precisos de diagnóstico, abrindo possíveis perspectivas terapêuticas.
Artigo:
Um estudo da Stanford University, publicado em 2018 na revista Annals of Neurology, de Oztan e cols., avaliou a dosagem de vasopressina no LCR em pacientes com automatismo.
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por deficiências sociais e por comportamentos restritos e repetitivos. O autismo é mais frequente no sexo masculino (4:1) e afeta cerca de 1 em cada 59 crianças. Aventou-se que a ocitocina (OXT) e/ou a arginina vasopressina (AVP) podem estar envolvidas na patogênese desta condição. Esses neuropeptídeos são reguladores-chave do comportamento social em mamíferos, e a interrupção direcionada dessas vias induz déficits sociais em modelos animais. Foi previamente aventada a hipótese que distúrbios na sinalização cerebral de OXT e/ou AVP podem estar relacionados à presença e gravidade de deficiências sociais em pessoas com autismo.
A avaliação do papel desses neuropeptídeos cerebrais no autismo tem sido dificultada pela dificuldade em obter amostras de líquor (LCR) de crianças para fins de pesquisa. O estudo de Oztan e cols. foi a maior coorte de autismo até hoje conduzida para avaliar as concentrações de neuropeptídeos no LCR. O estudo avaliou se crianças com e sem autismo apresentam diferentes concentrações destes neuropeptídeos no LCR, e se a concentração de neuropeptídeos no LCR prediz a gravidade dos sintomas.
Foram coletadas amostras de LCR de 36 crianças com autismo, de 1,5-9 anos, e de controles pareados por idade e gênero. Foram avaliadas diferenças nas concentrações de AVP e OXT no LCR. Foram empregadas escalas de avaliação da gravidade dos sintomas, afeto social e comportamentos restritos e repetitivos.
A concentração média de AVP no LCR foi significativamente menor no autismo do que no grupo controle. Já a concentração de OXT no LCR não diferiu entre os grupos. A concentração de AVP no LCR correlacionou-se inversa e significativamente com a gravidade geral dos sintomas em pacientes do sexo masculino, mas não em pacientes do sexo feminino. Essa correlação foi maior para o domínio social.
Discussão
Este estudo mostrou que a concentração de AVP no LCR está reduzida e correlaciona-se com a gravidade dos sintomas em crianças com autismo. Estudos prévios haviam falhado em mostrar diferença nas concentrações de AVP no sangue entre crianças com e sem autismo, mostrando a relevância da pesquisa ser realizada em LCR.
Embora AVP e OXT sejam peptídeos estruturalmente quase idênticos, apenas a concentração de AVP trouxe resultados positivos. A diferença de resultados entre pacientes de ambos os gêneros pode ser explicada por efeitos comportamentais sexualmente distintos do AVP. O AVP regula diferenças sexuais no comportamento de acasalamento, na formação do vínculo de pares e no cuidado parental em mamíferos. Déficits de sinalização de AVP no cérebro podem ser particularmente relevantes para entender o maior risco de apresentação de sintomas de autismo no sexo masculino.
Os achados deste estudo são também relevantes pois ainda não existem testes laboratoriais para detectar o autismo. Contudo, é importante ressaltar que a precisão diagnóstica da baixa concentração de AVP no LCR para identificar os casos de autismo foi pequena. Dado que o autismo é um distúrbio clinicamente heterogêneo, é provável que outros biomarcadores, ainda não testados no LCR, possam também participar e vir a ser incorporados em um painel multidimensional para diagnosticar o autismo com maior precisão.
Pesquisas adicionais são ainda necessárias para determinar se a baixa concentração de AVP no LCR pode vir a ser também um potencial marcador de risco de desenvolver autismo, antes de início dos sintomas. Considerando que há evidências de longa data de que a administração de AVP melhora o funcionamento social em mamíferos, é possível que as determinações desse e de outros biomarcadores possa contribuir não apenas com o diagnóstico, mas também no planejamento terapêutico destes pacientes.
Referência:
Oztan O, Garner JP, Partap S, et al. Cerebrospinal fluid vasopressin and symptom severity in children with autism. Ann Neurol. 2018;84(4):611-615. doi:10.1002/ana.25314