Febre maculosa: manifestações neurológicas e o liquor (LCR)

A febre maculosa das Montanhas Rochosas (FMMR) é uma doença transmitida por carrapatos, identificada pela primeira vez no final de 1800. A bactéria causadora, Rickettsia rickettsii, é uma bactéria intracelular obrigatória e a infecção pode resultar em vasculite sistêmica de pequenos vasos, variando de intensidade leve até casos fatais. A apresentação clínica é variada e os sinais e sintomas se sobrepõem a muitas outras condições clínicas, o que pode tornar o diagnóstico desafiador. O atraso no diagnóstico resulta em atraso no tratamento, o que pode levar a desfechos desfavoráveis. 

A transmissão ocorre principalmente por meio de carrapatos, que são mais comumente encontrados em áreas arborizadas ou gramadas, bem como parques residenciais. Os carrapatos se tornam infectados com a R. rickettsii por via transovariana (ou seja, a infecção se espalha do genitor infectado para a prole) ou ao alimentar-se de um animal infectado. O carrapato espalha a infecção para seres humanos por meio de sua saliva, ao alimentar-se, sendo necessárias de 4 a 6 horas de fixação do carrapato na pele da pessoa. Ao entrar no organismo, as bactérias infectam as células endoteliais dos vasos sanguíneos e rapidamente se multiplicam, eventualmente se espalhando para outras áreas por meio da corrente sanguínea. Nos locais infectados, as bactérias causam infiltração de células mononucleares, extravasamento de glóbulos vermelhos e trombose ao redor dos vasos. O tecido afetado pode tornar-se necrótico em fases posteriores da infecção. 

A maioria dos sinais e sintomas reconhecidos são causados pela infiltração dos pequenos vasos sanguíneos e a consequente inflamação. Cefaleia, febre súbita, fraqueza, fadiga, náuseas, vômitos e fotofobia costumam ser os primeiros sintomas, sendo muito semelhantes a outras doenças virais. A cefaleia é frequentemente muito intensa. A tríade clássica de febre, cefaleia e erupção cutânea está presente em apenas 3% dos pacientes nos primeiros 3 dias e 70% dos pacientes em 2 semanas.

Embora o diagnóstico da FMMR seja clínico, os exames laboratoriais podem apoiar ou sugerir outra etiologia para os sintomas do paciente. Testes específicos são demorados. Anticorpos séricos imunofluorescentes para R. rickettsii devem ser solicitados, mas os níveis normalmente não são detectáveis até 7-10 dias após o início da doença. Assim, um resultado negativo do teste não exclui a possibilidade de FMMR. Além disso, um resultado positivo apenas confirma que o paciente foi exposto e não necessariamente demonstra que essa é a etiologia para os sintomas atuais. Outras modalidades diagnósticas incluem a imuno-histoquímica após biópsia de tecido, que é limitada a laboratórios de referência. A detecção da R. rickettsii pela PCR tem baixa sensibilidade, a menos que o paciente tenha uma infecção grave e fulminante.

Complicações neurológicas ocorrem em 40% dos pacientes e incluem: cefaleia severa, letargia, meningismo, alterações visuais, convulsões, paralisia dos nervos cranianos, confusão mental, fotofobia ou psicose. Conjuntivite (30% dos pacientes) é a anormalidade ocular mais comum, mas edema de papila, oclusão da artéria retiniana, hemorragia retiniana e ingurgitamento venoso também podem ser encontrados. O envolvimento muscular com necrose pode resultar em rabdomiólise. A doença crítica é marcada por coagulação intravascular e insuficiência respiratória. O LCR mostra aumento de células, que pode chegar a > 3000 cels/mm3. A pleocitose está presente em 87,5% dos casos e é geralmente à base de linfomononucleares, podendo haver predomínio neutrofílico em 1/3 dos pacientes. O nível de proteína no LCR está aumentado na maioria dos casos com manifestações neurológicas. A hipoglicorraquia pode estar presente em cerca de 20% dos casos. 

O tratamento reduz a mortalidade de 20% para menos de 5%, desde que o manejo seja adequado. Os antibióticos nunca devem ser adiados enquanto se aguarda confirmação laboratorial. A doxiciclina é o tratamento de escolha para quase todos os pacientes, incluindo crianças. A dose para adultos é de 100 mg, duas vezes ao dia, por um período mínimo de 5-7 dias e deve ser continuado até que o paciente permaneça afebril por 3 dias. Para pacientes gravemente enfermos, uma dose de ataque de doxiciclina de 200 mg a cada 12 h por 72 h deve ser considerada. Se o paciente estiver gravemente doente ou tiver dor abdominal grave ou vômitos, recomenda-se a antibioticoterapia intravenosa. Outros pacientes podem receber antibióticos orais. 

Bibliografia consultada: 

• Gottlieb M, Long B, Koyfman A. The Evaluation and Management of Rocky Mountain Spotted Fever in the Emergency Department: a Review of the Literature. J Emerg Med. 2018;55(1):42-50. doi:10.1016/j.jemermed.2018.02.043. 

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• Massey EW, Thames T, Coffey CE, Gallis HA. Neurologic complications of Rocky Mountain spotted fever. South Med J. 1985;78(11):1288-1303. doi:10.1097/00007611-198511000-00004