A OTORRINOLARINGOLOGIA E O LÍQUOR: FÍSTULA LIQUÓRICA

O QUE É FÍSTULA LIQUÓRICA?

O desenvolvimento de fístula liquórica através da base do crânio pode resultar de trauma, cirurgias ou defeitos congênitos. Quando a causa não é identificada, a fístula liquórica é dita espontânea.     

Fisiopatologia 

A maioria dos casos de fístula liquórica espontânea resulta de aumento crônico da pressão intracraniana (PIC) levando, com o tempo, à erosão do osso temporal ou da região anterior da base do crânio. 

O aumento crônico da PIC decorre em geral do pseudotumor cerebral, que está fortemente associado à obesidade. Não se sabe exatamente a relação entre obesidade e aumento de PIC, mas acredita-se que citocinas produzidas no tecido adiposo interfiram nos processos de produção e reabsorção do LCR. 

Além da obesidade, outros fatores aumentam o risco de fístula liquórica espontânea: síndrome da apneia obstrutiva do sono, granulações aracnóideas aberrantes, camada escamosa fina do osso temporal e deiscência do canal semicircular superior.  

A fístula liquórica acontece, portanto, da seguinte sequência: 

sequência fístula liquórica

Diagnóstico 

Os sintomas mais comuns da fístula liquórica espontânea são a rinorreia ou a otorreia, a depender do local da erosão óssea. A fístula liquórica espontânea cursa com sintomas de hipotensão liquórica: cefaleia ortostática, meningismo, náuseas/vômitos, tinido, vertigem, visão turva, soluços, entre outros. 

Alterações do exame neurológico, com ataxia, paresia de membros, distúrbios de movimento e redução do nível de consciência podem ocorrer. A pressão de abertura do LCR normalmente está entre 0 a 7 cm de H2O.  

A confirmação de que o fluido da rinorreia ou da otorreia é LCR pode ser feita com a dosagem de beta-2-transferrina, que é um marcador presente apenas no LCR.  A tomografia computadorizada de alta resolução é o exame de escolha para identificar defeitos na base de crânio associados à erosão óssea. 

A tomografia pode demonstrar defeitos resultantes de trauma acidental ou iatrogênico, bem como uma anormalidade de desenvolvimento subjacente à lesão erosiva. 

Em casos onde é difícil definir o local de vazamento, a cisternocintilografia radioisotópica – com injeção do radioisótopo pela punção lombar (PL) – pode auxiliar.  

Tratamento 

O tratamento cirúrgico, com fechamento da fístula liquórica, é o de escolha. O tratamento conservador inclui repouso prolongado, medicamentos para diminuir a produção de LCR, como a acetazolamida, e antitussígenos e laxantes para reduzir picos de aumento da PIC e aumento do vazamento. 

De forma geral, o tratamento conservador é ineficaz ou pouco eficiente.   

O LCR e a fístula liquórica 

O laboratório de LCR contribui significativamente na avaliação dos pacientes com fístula liquórica. Através da raquimanometria para medida da pressão de abertura, realizada no momento da PL, pode-se demonstrar hipotensão liquórica. 

No pseudotumor cerebral, que é fator determinante da erosão óssea e formação da fístula, há aumento da pressão de abertura.  

O exame da secreção, com a dosagem de beta-2-transferrina, pode confirmar a natureza liquórica da rinorréia ou da otorreia. A PL com injeção de contraste radioisotópico no espaço subaracnóide é outra potencial contribuição do laboratório de LCR nestes casos.   

A mais temida complicação da fístula liquórica é a meningite bacteriana, por passagem de bactérias das cavidades nasais ou auriculares para o espaço subaracnóide. 

A confirmação da presença de meningite e a determinação do agente etiológico são feitos através do exame de LCR. Deve ser realizado o exame convencional, citológico e bioquímico, além do exame microbiológico básico, com bacterioscopia e cultura. 

A biologia molecular, demonstrando a infecção bacteriana através da detecção do seu DNA no LCR, pela técnica de PCR, é um método rápido e preciso para a definição etiológica das meningites bacterianas.  

 

Bibliografia consultada:  

Kutz JW Jr, Tolisano AM. Diagnosis and management of spontaneous cerebrospinal fluid fistula and encephaloceles. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2019;27(5):369-375.  

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Reddy M, Baugnon K. Imaging of Cerebrospinal Fluid Rhinorrhea and Otorrhea. Radiol Clin North Am. 2017;55(1):167-187.  

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