Meningoencefalite Amebiana

Meningoencefalite Amebiana

 

Introdução

A meningoencefalite amebiana é uma condição rara, mas extremamente grave, causada por protozoários de vida livre. Apresenta-se de forma aguda e fulminante ou como uma infecção crônica progressiva do sistema nervoso central (SNC), sendo frequentemente fatal. Seu reconhecimento precoce e abordagem terapêutica rápida são essenciais para melhorar o prognóstico dos pacientes afetados.

 

Agentes Etiológicos

Os principais agentes causadores da meningoencefalite amebiana pertencem aos gêneros Naegleria, Acanthamoeba e Balamuthia. A Naegleria fowleri é a responsável pela meningoencefalite amebiana primária (MAP), enquanto Acanthamoeba e Balamuthia mandrillaris são associadas à encefalite amebiana granulomatosa (EAG). Esses protozoários são encontrados em ambientes aquáticos e no solo, representando uma ameaça particularmente em regiões de clima quente.

 

Transmissão

A transmissão da meningoencefalite amebiana ocorre principalmente pela inalação ou aspiração de água contaminada contendo trofozoítos ou cistos amebianos. Naegleria fowleri é adquirida através da penetração da ameba pelas fossas nasais, atingindo o SNC via neuroepitélio olfatório. Já as amebas do gênero Acanthamoeba e Balamuthia podem entrar no organismo por meio de soluções de continuidade da pele, olhos ou vias respiratórias, disseminando-se hematogenicamente até o sistema nervoso central.

 

Epidemiologia

A meningoencefalite amebiana é mais comumente relatada em regiões tropicais e subtropicais, com casos esporádicos em outros locais. No Brasil, os relatos de infecções por Naegleria fowleri ainda são raros, mas acredita-se que haja subnotificação devido à dificuldade diagnóstica. Casos de encefalite granulomatosa por Acanthamoeba e Balamuthia também foram descritos, muitas vezes associados a pacientes imunossuprimidos.

Globalmente, os Estados Unidos reportam a maioria dos casos de Naegleria fowleri, particularmente em estados do sul durante os meses de verão, com uma taxa de mortalidade superior a 97%. Na Europa, a infecção é mais rara, sendo registrada principalmente em viajantes expostos a águas contaminadas. A Acanthamoeba é encontrada em todos os continentes, sendo a causa mais comum de encefalite amebiana em pacientes imunocomprometidos. Na Ásia, casos esporádicos de Balamuthia mandrillaris têm sido relatados, muitas vezes confundidos com tuberculose cerebral.

 

Período de Incubação

O período de incubação da meningoencefalite amebiana varia conforme o agente etiológico. Para Naegleria fowleri, a incubação geralmente dura de 1 a 9 dias, com média de 5 dias, antes do aparecimento dos sintomas. Já a encefalite amebiana granulomatosa, causada por Acanthamoeba e Balamuthia mandrillaris, pode apresentar um período de incubação mais longo, variando de semanas a meses antes do início dos sintomas.

Patogênese

As encefalites causadas por amebas de vida livre ocorrem quando esses protozoários oportunistas invadem o sistema nervoso central (SNC), geralmente por via nasal ou hematogênica. A Naegleria fowleri causa MAP penetrando pelo epitélio olfatório e migrando pelo nervo olfatório até o cérebro, onde provoca extensa necrose hemorrágica. Já a EAG é uma infecção crônica que ocorre principalmente em imunossuprimidos. Nesses casos, a invasão do SNC se dá por disseminação hematogênica a partir da pele, pulmões ou olhos. A patogênese envolve a ação de proteínas de adesão, proteases, fosfolipases e outros fatores de virulência que contribuem para a destruição tecidual, inflamação intensa e comprometimento da barreira hematoencefálica, resultando em edema cerebral, vasculite e formação de granulomas. O curso clínico varia de uma progressão fulminante, como na MAP, até uma evolução subaguda ou crônica.

 

Quadro Clínico

Os sintomas variam conforme o agente etiológico:

  • MAP: Apresenta-se com febre alta, cefaleia intensa, náuseas, vômitos, torcicolo e sinais neurológicos focais. Evolui rapidamente para confusão, convulsões e coma, levando ao óbito em poucos dias.
  • EAG: Possui um curso subagudo ou crônico, com sintomas inespecíficos como cefaleia, ataxia, hemiparesia e alterações do estado mental. Pode ocorrer em pacientes imunocompetentes, mas é mais comum em imunossuprimidos.

 

 Diagnóstico

O diagnóstico da meningoencefalite amebiana é um desafio devido à sua raridade e semelhança clínica com outras formas de meningoencefalite viral ou bacteriana. Os métodos diagnósticos incluem:

  • Neuroimagem: Ressonância magnética ou tomografia computadorizada podem mostrar edema cerebral difuso e realce meníngeo.
  • Exames laboratoriais: Exame do líquido cefalorraquidiano.
  • Biospsia cerebral: Pode ser necessária nos casos de encefalite granulomatosa.

 

Exame do Líquido Cefalorraquidiano

O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) é uma ferramenta fundamental na investigação da meningoencefalite amebiana. As principais alterações incluem:

  • Pleocitose neutrofílica moderada a intensa;
  • Proteína elevada;
  • Glicose reduzida ou normal;
  • Visualização de trofozoítos amebianos em esfregaço direto (especialmente para Naegleria fowleri);
  • Imunofluorescência (figura 1);
  • PCR para detecção do DNA do protozoário.

Figura 1. Microscopia de fluorescência de Acanthamoeba sp.

 

Diagnóstico Diferencial
A apresentação clínica da meningoencefalite amebiana primária (PAM) é muito semelhante à meningite bacteriana aguda, e os parâmetros do líquor também são parecidos. Portanto, é fundamental obter um histórico epidemiológico em pacientes com suspeita de meningite bacteriana, mas com culturas negativas e falha na melhora clínica.

O diagnóstico diferencial da encefalite amebiana granulomatosa (GAE) inclui abscessos cerebrais bacterianos, tuberculose, Nocardia, aspergilose do sistema nervoso central (SNC), criptococose e histoplasmose. Deve-se considerar também toxoplasmose, cisticercose e linfoma do SNC.

  

Tratamento

O tratamento da meningoencefalite amebiana é desafiador e muitas vezes não tem sucesso devido à progressão rápida da doença. As abordagens incluem:

  • Terapia antimicrobiana:
    • Naegleria fowleri: Anfotericina B, miltefosina, rifampicina, fluconazol e azitromicina em combinação.
    • Acanthamoeba e Balamuthia: Miltefosina, pentamidina, sulfadiazina, fluconazol e macrolídeos.
  • Medidas de suporte: Controle de hipertensão intracraniana e suporte ventilatório são essenciais.
  • Cirurgia: Em casos de encefalite granulomatosa localizada, a ressecção da lesão pode ser benéfica.

 

Prognóstico

O prognóstico da meningoencefalite amebiana varia conforme o agente etiológico. A meningoencefalite amebiana primária (MAP), causada por Naegleria fowleri, tem um prognóstico extremamente reservado, com taxa de mortalidade superior a 97%, mesmo com tratamento agressivo. A evolução é rápida, levando ao óbito em poucos dias na maioria dos casos. Já a encefalite amebiana granulomatosa (EAG), causada por Acanthamoeba e Balamuthia mandrillaris, apresenta um curso mais arrastado e uma taxa de mortalidade elevada, mas com algumas possibilidades de sobrevida se diagnosticada precocemente e tratada de maneira agressiva. A resposta ao tratamento depende da imunocompetência do paciente e da rapidez na intervenção.

 

Prevenção

A prevenção da meningoencefalite amebiana envolve medidas para reduzir a exposição à água contaminada e minimizar o risco de infecção. Entre as principais recomendações estão:

  • Evitar a entrada de água não tratada no nariz durante atividades recreativas em lagos, rios e piscinas aquecidas naturalmente;
  • Utilizar tampões nasais ou dispositivos de proteção ao nadar em águas mornas e estagnadas;
  • Lavar bem as lentes de contato com solução estéril para evitar infecções por Acanthamoeba;
  • Manter a higiene adequada ao manusear solos e poeiras contaminadas, especialmente para indivíduos imunocomprometidos;
  • Usar apenas água estéril ou fervida para limpeza nasal e irrigação sinusal.

 

Considerações Finais

A meningoencefalite amebiana é uma doença devastadora com alta taxa de mortalidade. O reconhecimento precoce e a iniciação imediata do tratamento são cruciais para melhorar o prognóstico. O exame do LCR desempenha um papel essencial no diagnóstico, e a conscientização sobre a doença deve ser ampliada para reduzir subnotificação e aprimorar a abordagem terapêutica.

 

Referências

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  • Schuster FL, Visvesvara GS. Free-living amoebae as opportunistic and non-opportunistic pathogens of humans and animals. Int J Parasitol. 2004;34(9):1001-1027. doi:10.1016/j.ijpara.2004.06.004.
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