NARCOLEPSIA E O LÍQUOR

A narcolepsia é uma síndrome caracterizada pela sonolência diurna excessiva associada à cataplexia, alucinações hipnagógicas e paralisia do sono. 

Após a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), é a maior causa de sonolência crônica. A prevalência da narcolepsia do tipo 1 é estimada em 25-50 casos/100.000 habitantes e a do tipo 2, sem cataplexia, é estimada em 20-34 casos/100.000 habitantes. 

Essa doença tipicamente inicia-se na segunda ou terceira décadas de vida, mas pode, mais raramente, afetar crianças e ter início após os 40 anos. Homens e mulheres são acometidos na mesma proporção.  

Causa 

A narcolepsia tipo 1 resulta da deficiência dos neuropeptídeos hipocretina-1 e hipocretina-2 (ou Orexina A e B, respectivamente), sintetizados no hipotálamo. 

Estes neuropeptídeos são produzidos durante o estado de vigília, e, neste estado, tem sua expressão aumentada em várias áreas encefálicas como o locus coeruleus, núcleos da rafe e núcleo têmporo-mandibular. 

A atividade destes peptídeos inibe o sono REM e, sua perda, determina fenômenos relacionados ao sono REM, como a cataplexia, alucinações hipnagógicas e paralisia do sono. 

A narcolepsia do tipo 2 tem causa desconhecida, sendo postulada uma redução menor nos níveis de orexinas. Outros fatores participam da patogênese desta doença. 

O haplótipo DQB1*0602 (subtipo DQ1) está presente em 95% dos pacientes com deficiência de orexina. Outros genes do complexo maior de histocompatibilidade foram também associados a esta condição. Além do mecanismo genético, postula-se um mecanismo auto-imune. 

A narcolepsia pode ser também secundária, havendo casos descritos decorrentes da neurossarcoidose, síndromes genéticas como a de Prader-Willi e Niemann-Pick, além de encefalites autoimunes, como a associada ao anticorpo anti-Ma2, frequentemente decorrente do câncer de testículo.  

Sintomas 

Os sintomas clássicos são a sonolência excessiva, ataques de cataplexia (episódios de fraqueza muscular desencadeados por emoções), alucinações hipnagógicas (alucinações complexas e vívidas ao adormecer) e paralisia do sono (paralisia que dura minutos após o despertar). 

Além disso, pode causar sono fragmentado, associar-se a outros distúrbios do sono, como parassonias e SAOS, obesidade e comorbidades psiquiátricas como depressão e ansiedade.   

Diagnóstico 

Além dos sintomas clínicos, o diagnóstico se baseia nos estudos de sono. A polissonografia serve para afastar outros transtornos do sono que podem surgir como sonolência excessiva. 

O teste de latência múltipla do sono avalia a presença de  períodos de sono com movimentos rápidos dos olhos (SOREMPs). A presença de dois ou mais episódios de SOREMPs durante o exame é essencial para o diagnóstico de narcolepsia. 

Outras causas de sonolência diurna, como SAOS, distúrbios do ritmo circadiano, movimentos periódicos dos membros, fazem parte do diagnóstico diferencial. Alucinações hipnagógicas e paralisia do sono podem estar associados a distúrbios do sono relacionados ao álcool ou a transtornos psiquiátricos. 

Os ataques de cataplexia podem ser confundidos com pseudo cataplexia, que pode ser decorrente de fenômenos conversivos.  

O LCR e a narcolepsia 

A análise geral do LCR encontra-se normal na narcolepsia primária. Não há elementos que indiquem imunoprodução intratecal, não sendo detectadas bandas oligoclonais (BOCs). 

A mensuração da concentração de orexina A (hipocretina-1) no LCR é útil, especialmente em casos onde o teste de latência múltipla do sono tem resultados duvidosos. Em casos de narcolepsia secundária, como na neurossarcoidose, o exame do LCR pode demonstrar anormalidades inflamatórias, incluindo pleocitose, hiperproteinorraquia, aumento de IgG e presença de BOCs. 

Na encefalite com anticorpos anti-Ma2 podem ser encontradas alterações inflamatórias inespecíficas e anticorpos anti-Ma2 no soro e LCR. Casos de encefalite paraneoplásica com sintomas de narcolepsia, anticorpos anti-Ma2 e diminuição da orexina-A em LCR têm sido descritos.  

Tratamento 

O tratamento da narcolepsia inclui ajuste nos hábitos de sono, evitar drogas que possam agravar a sonolência e tratamento das comorbidades, como depressão, ansiedade e obesidade. 

Além disso, são necessárias drogas estimulantes, como o modafinil, metilfenidato e anfetaminas.  

 

Bibliografia consultada:  

Bassetti CLA, Adamantidis A, Burdakov D, et al. Narcolepsy – clinical spectrum, aetiopathophysiology, diagnosis and treatment. Nat Rev Neurol. 2019;15(9):519-539.  

Lopez R, Barateau L, Evangelista E, et al. Temporal Changes in the Cerebrospinal Fluid Level of Hypocretin-1 and Histamine in Narcolepsy. Sleep. 2017;40(1):zsw010.  

Kornum BR, Knudsen S, Ollila HM, et al. Narcolepsy. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:16100.