Neurofilamento de cadeia leve em soro e liquor

Os neurofilamentos (Nf) são os componentes mais importantes do citoesqueleto axonal nos neurônios. Eles são compostos por três subunidades: leve (NfL), médio (NfM) e pesado (NfH), com 68-70 kDa, 145-160 kDa e 200-220 kDa, respectivamente. Eles fornecem suporte estrutural aos neurônios e regulam o diâmetro do axônio. Os Nfs são liberados em quantidade significativa após dano axonal ou degeneração neuronal. Nessas situações, o Nf é liberado no líquido intersticial, no líquido cefalorraquidiano (liquor)  e, em pequena quantidade, no sangue. 

Tem sido sugerido que a medição de Nf é um marcador de dano axonal. De fato, muitos estudos avaliaram os níveis de Nf em uma ampla variedade de distúrbios neurológicos em que ocorre degeneração axonal, seja do sistema nervoso central, seja no periférico.  

Leia mais: Dosagem de neurofilamento de cadeia leve no liquor de pacientes com Esclerose Múltipla – Relato Preliminar de 17 casos.

Dosagem de NfL  

Ensaios de diagnóstico para medição de Nf foram possíveis por meio do desenvolvimento de anticorpos monoclonais altamente específicos contra epítopos de Nf. A maioria dos estudos mostra que a NfL tem um poder discriminatório maior do que o NfH. Por esse motivo, os estudos mais recentes avaliaram o NfL e não as outras subunidades Nf. O método para mensuração de NfL em líquido cefalorraquidiano é o ELISA, que permite uma dosagem rápida, exigindo um pequeno volume de amostra, de 50 µL. O ELISA para NfL tem boa estabilidade pré-analítica, sem alterações nas concentrações de NfL após as amostras serem mantidas por dias em temperatura ambiente, ou mesmo após descongelamento repetido. A curva padrão dos intervalos de NfL do líquido cefalorraquidiano de 100-10.000 pg/mL tem alta reprodutibilidade. 

A determinação de NfL sérico tem sido avaliada com imunoensaios de nova geração. Embora haja uma correlação estatisticamente significativa entre soro e líquido cefalorraquidiano, o NfL é encontrado em concentrações mais altas no último quando comparado ao soro. Em soro e líquido cefalorraquidiano pareados em amostras, a concentração sérica é cerca de 100 vezes menor do que na concentração do líquido cefalorraquidiano. O ELISA convencional não é sensível o suficiente para detectar as pequenas concentrações de soro NfL. É necessário um método mais sofisticado e caro para determinação de NfL sérico, utilizando a plataforma Simoa (single molecular array) (Quanterix Corp, Boston, MA).

 

Esclerose Múltipla 

Novos biomarcadores na esclerose múltipla (EM) têm sido estudados, em função da necessidade de termos melhores formas de avaliar a atividade e progressão da doença, contribuindo para melhores decisões terapêuticas. 

A avaliação da atividade da doença é fundamental para orientar as intervenções terapêuticas. As diretrizes terapêuticas atuais baseiam-se no conceito de que quanto mais ativa a doença, mais agressivo deve ser o tratamento. A avaliação da atividade da EM baseia-se na frequência de surtos e no aparecimento de novas lesões à ressonância (RM). A concentração de NfL foi correlacionada com parâmetros clínicos e de ressonância magnética de atividade da doença. A concentração de NfL no líquido cefalorraquidiano aumenta após recidivas clínicas Eles estão correlacionados com o aparecimento de novas lesões à RM. 

A avaliação da progressão clínica e da degeneração axonal também é baseada em parâmetros clínicos e nos achados da RM. Os níveis de NfL refletem lesão neuronal e estão potencialmente correlacionados com a degeneração axonal. Portanto, o NfL parece ser um bom indicador de dano neuronal e um bom preditor de progressão da incapacidade neurológica em pacientes com EM. 

Além disso, a mensuração do NfL é útil na avaliação da eficácia terapêutica. Os níveis de NfL no líquido cefalorraquidiano foram significativamente reduzidos após o uso de diversos tratamentos, como mitoxantrona, natalizumabe, fingolimode e ocrelizumabe. Mais evidências ainda são necessárias, mas os dados existentes corroboram o uso desse biomarcador na avaliação da eficácia terapêutica na EM. 

Você também pode se interessar por: Diagnóstico precoce é fundamental para garantir a qualidade de vida dos pacientes com Esclerose Múltipla

 

Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) 

Alguns estudos mostraram que os níveis de NfL estão significativamente aumentados em pacientes com ELA quando comparados aos de pacientes com outras doenças que podem mimetizar a ELA, incluindo atrofia muscular espinhal, neuropatia motora multifocal, miosite de corpos de inclusão, esclerose lateral primária, atrofia de múltiplos sistemas, paraplegia espástica hereditária, amiotrofia nevrálgica, neuropatia paraneoplásica, deficiência de hexosaminidase e mielopatia progressiva. Esses dados sugerem um potencial papel do NfL em distinguir a ELA de outras doenças neurológicas que a mimetizam. 

O valor prognóstico da medição de NfL em pacientes com ELA também foi avaliado, sugerindo que a elevação da concentração de NfL é um bom marcador de dano estrutural e progressão da doença. Mais estudos são necessários para validação do uso clínico do NfL nessa doença. 

Veja também: Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA): novos biomarcadores no liquor (LCR).

Demências 

Os níveis de NfL mostraram-se maiores em pacientes com Doença de Alzheimer (DA) quando comparados a pacientes com comprometimento cognitivo leve e controles, sugerindo que esse biomarcador pode contribuir com os demais biomarcadores liquóricos no diagnóstico dessa doença. A concentração de NfL no líquido cefalorraquidiano é maior em estágios mais avançados da DA. Em pacientes com DA, esses níveis  estão associados a deterioração cognitiva, atrofia cerebral e atrofia hipocampal. Níveis mais altos de NfL também foram associados a pontuações mais baixas em testes cognitivos e menor sobrevida. Esses dados indicam que altos níveis de NfL estão associados a uma doença mais avançada e a um pior desfecho. 

Alguns estudos têm avaliado a capacidade do ​​NfL em distinguir a DA de outras demências. Nesse sentido, os níveis de NfL no líquido cefalorraquidiano são maiores nas demências subcorticais quando comparados a uma demência predominantemente cortical, como é o caso da DA. Os níveis de NfL no líquido cefalorraquidiano são maiores na demência frontotemporal, demência vascular e demência mista quando comparados à DA, sugerindo que a dosagem de NfL pode ser uma ferramenta adicional na discriminação da DA de demências subcorticais. 

Confira: Diagnóstico da Doença de Alzheimer: como obter?

 

Conclusões 

A utilidade da mensuração do NfL tem sido estudada também em outras condições, como as taupatias, a Doença de Parkinson, distúrbios cognitivos associados ao HIV, e até mesmo na Neurocovid. Na tabela abaixo, apresentamos o estágio atual de conhecimento acerca desse biomarcador nessas diferentes doenças. Com o intuito de tornar viável sua utilização, esforços têm sido feitos para a validação dos ensaios laboratoriais e maior padronização dos procedimentos pré-analíticos e analíticos. 

Os biomarcadores podem contribuir para uma medicina mais individualizada, terapias racionais e personalizadas. O desenvolvimento e incorporação de novos biomarcadores é sempre um desafio, mas também uma conquista. O Senne Liquor vem realizando estudos com esse marcador (referências abaixo), em especial em pacientes com EM e, agora, disponibiliza sua dosagem para os pacientes e a comunidade médica, no intuito de continuar contribuindo para uma precisão cada vez maior da medicina diagnóstica, voltada para pessoas acometidas por afecções neurológicas. 

 

Tabela: Utilidade do NfL nas diferentes doenças neurológicas

Diagnóstico  Prognóstico 

Tratamento 

EM  Pouca utilidade  Potencialmente útil para avaliar atividade da doença e degeneração axonal Potencialmente útil para avaliar eficácia terapêutica  
ELA  Possivelmente útil para distinguir a ELA de outras doenças que a mimetizam  Possivelmente prediz a gravidade da evolução da doença   Não avaliado 
Demências  Potencialmente útil na diferenciação de DA de demências subcorticais Possivelmente se correlaciona com a progressão da demência na DA  Não avaliado 
Doença de Parkinson (DP) e outros distúrbios do movimento  Potencialmente útil na distinção da DP de outros distúrbios do movimento  Possivelmente se correlaciona com a progressão do quadro motor Não testado 

Veja aqui a lista completa de exames do Senne Liquor

PUBLICAÇÕES DO SENNE LIQUOR EM NfL 

Domingues, R.B., Fernandes, G.B.P., Leite, F.B.V.M., Senne, C. (2019). Neurofilament light chain in the assessment of patients with multiple sclerosis. Arq Neuropsiquiatr.,77(6), 436-441, jul. 2019. doi: 10.1590/0004-282X20190060. PMID: 31314847. 

Domingues, R.B., Fernandes, G.B.P., Leite, F.B.V.M., Tilbery, C.P., Thomaz, R.B., Silva, G.S,. Mangueira, C.L.P., Soares, C.A.S. (2017). The cerebrospinal fluid in multiple sclerosis: far beyond the bands. Einstein (Sao Paulo), 15(1), 100-104, jan./mar. 2017. doi: 10.1590/S1679-45082017RW3706. PMID: 28444098; PMCID: PMC5433316. 

Moraes, A.S., Boldrini, V.O., Dionete, A.C., Andrade, M.D., Longhini, A.L.F., Santos, I., Lima, A.D.R., Silva, V.A.P.G., Dias Carneiro, R.P.C., Quintiliano, R.P.S., Ferrari, B.B., Damasceno, A., Pradella, F., Farias, A.S., Tilbery, C.P., Domingues, R.B., Senne, C., Fernandes, G.B.P., Von Glehn, F., Brandão, C.O., Stella, C.R.A.V., Santos, L.M.B. (2021). Decreased Neurofilament L Chain Levels in Cerebrospinal Fluid and Tolerogenic Plasmacytoid Dendritic Cells in Natalizumab-Treated Multiple Sclerosis Patients – Brief Research Report. Frontiers in Cellular Neuroscience, jul. 2021, 15: 705618. doi: 10.3389/fncel.2021.705618. PMID: 34381335; PMCID: PMC8350727. 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 

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  • Giovannoni, G. (2010). Cerebrospinal fluid neurofilament: the biomarker that will resuscitate the ‘Spinal Tap’. Multiple Sclerosis and Related Disorders, 16(3),285-286.  
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