O sistema nervoso central (SNC) tem baixa capacidade de regeneração, fazendo com que os déficits neurológicos sejam frequentemente irreversíveis. Recentemente, a terapia com células-tronco tem trazido esperanças para muitos pacientes. A capacidade regenerativa das células-tronco e as terapias de transplante de vários tipos de células-tronco têm sido testadas em pesquisas básicas e estudos pré-clínicos, e em alguns trazendo boas perspectivas. A utilização de células-tronco neurais (NSCs) parece uma alternativa lógica para a terapia de doenças do SNC, no entanto, até o momento, a maioria dos estudos relata efeitos meramente tróficos e imunomoduladores, em vez de substituição neuronal propriamente dita. Trabalhos anteriores com NSCs indicam ausência de integração com o tecido hospedeiro, sendo que os efeitos terapêuticos podem estar relacionados exclusivamente com a atividade parácrina. Com essas evidências, o foco dos estudos migrou para as células-tronco mesenquimais (MSCs), conhecidas por seu potencial parácrino e imunomodulador.
As MSCs são facilmente obtidas de várias fontes, como medula óssea, tecido adiposo e cordão umbilical. Os tratamentos com MSCs demonstraram efeitos benéficos em diferentes modelos experimentais de doenças neurológicas. Além disso, protocolos de monitoramento têm permitido os primeiros estudos clínicos com MSCs.
A terapia celular usando MSCs é atualmente um dos ramos da medicina regenerativa que mais se desenvolve. A simplicidade de obtenção de MSCs de várias fontes, sua baixa imunogenicidade e a sua capacidade imunomoduladora permitem que elas possam ser transplantadas no sistema auto e alogênico. As capacidades antiapoptótica, parácrina e multidirecional das MSCs têm impulsionado sua avaliação em diversas doenças do SNC, como o acidente vascular cerebral (AVC), doença de Alzheimer (DA), esclerose lateral amiotrófica (ELA), doenças de Huntington e Parkinson (HD, DP), esclerose múltipla (EM) e lesões traumáticas da medula.
MSCs na esclerose múltipla (EM): estudos experimentais
A EM é uma doença autoimune inflamatória e desmielinizante do SNC. A fisiopatologia da doença está associada à formação de linfócitos autorreativos contra autoantígenos. As citocinas inflamatórias dos linfócitos promovem o recrutamento de elementos do sistema imunológico, como macrófagos, mastócitos, neutrófilos e linfócitos para o SNC, gerando astrogliose e microgliose. A neurodegeneração está relacionada à neuroinflamação na doença crônica, com alterações degenerativas multifocais visíveis, com áreas de desmielinização e perda maciça de neurônios.
No modelo experimental da EM, a encefalomielite alérgica experimental (EAE), a administração sistêmica de MSCs induz a formação de tolerância imunológica. Na medula espinhal, há aumento da oligodendrogênese e remielinização maiores do que nos controles. Nos animais transplantados com MSC houve redução de leucócitos e de inflamação local no SNC. O efeito anti-inflamatório das MSCs foi benéfico para a neuroproteção, preveniu a perda de axônios e reduziu necrose neuronal e a apoptose no córtex cerebral e na medula espinhal na EAE. As MSCs transplantadas inibiram a desmielinização e estimularam a oligodendrogênese ao redor dos axônios no corpo caloso e na medula espinhal da EAE, resultando em um curso muito mais leve da doença. Em um outro modelo experimental de EM em macacos, a infusão intratecal de MSCs adiou a disfunção neurológica e a desmielinização neuronal.
MSCs nadna esclerose múltipla (EM): estudos clínicos
A abordagem da terapia de reposição celular na EM visa superar a perda de células neuronais e a falha de remielinização, aumentar a capacidade de reparo da mielina endógena e é considerada como uma opção de tratamento alternativo.
Vários estudos clínicos usando transplante de MSC têm sido realizados em pacientes com EM. Os primeiros ensaios clínicos incluíram um pequeno número de indivíduos e utilizaram MSCs autólogas da medula óssea (MO) infundidos por via intratecal ou intravenosa. Vinte e três ensaios clínicos de tratamento da EM com MSCs autólogas ou alogênicas derivadas da MO, tecido adiposo ou cordão umbilical foram registrados. O procedimento de transplante intratecal ou intravenoso de MSCs mostrou-se viável, seguro e com boa tolerabilidade. Alguns pacientes submetidos ao procedimento mostraram sinais de estabilização clínica ou uma melhora da escala de incapacidade funcional (EDSS). O efeito imunomodulador das MSCs foi confirmado por um aumento dos níveis de citocinas anti-inflamatórias, ou seja, IL-4, IL-10, e de fatores tróficos, ou seja, interferon 𝛾 (IFN-𝛾) e HGF no sangue periférico dos pacientes com EM, após a infusão de MSC.
Um estudo recente de fase II, feito por Petrou e cols. (2020), avaliou a administração, a segurança e a eficácia clínica do transplante de MSCs em pacientes com EM progressiva e ativa. Quarenta e oito pacientes (28 homens e 20 mulheres) com EDSS médio de 5,6 ± 0,8, idade média de 47,5 ± 12,3 anos e evidência de piora clínica ou atividade à ressonância no ano anterior foram incluídos. Os pacientes foram randomizados em três grupos e tratados por via intratecal (IT) ou intravenosa (IV), com MSCs autólogas (1 × 106/kg) ou injeções simuladas (placebo). A duração do estudo foi de 14 meses. Nenhum problema sério de segurança relacionado ao tratamento foi detectado. Um número significativamente menor de pacientes apresentou falha terapêutica nos grupos MSC-IT e MSC-IV em comparação com aqueles do grupo placebo (6,7%, 9,7% e 41,9%, respectivamente, P = 0,0003 e P = 0,0008). Durante o acompanhamento de 1 ano, 58,6% e 40,6% dos pacientes tratados com MSC-IT e MSC-IV, respectivamente, não apresentaram evidência de atividade da doença em comparação com 9,7% no grupo placebo (P < 0,0001 e P < 0,0048, respectivamente). O transplante de MSC-IT induziu benefícios adicionais na taxa de recidiva, carga lesional T2 à RM, exames clínicos, tomografia de coerência óptica e testes cognitivos. O tratamento com MSCs foi bem tolerado e induziu efeitos benéficos de curto prazo nos pacientes com doença ativa. A administração intratecal foi mais eficaz que a intravenosa em vários parâmetros da doença. Estes resultados justificam, segundo os autores, a realização de estudos de fase III.
Outro estudo, o MESEMS, é um estudo randomizado de fase II realizado em 15 centros em 9 países. Pacientes com EM remitente-recorrente ou progressiva ativa, com EDSS de 2,5-6,5, com uma duração da doença de 2 a 15 anos, foram incluídos. Os pacientes foram aleatoriamente designados para receber uma única dose intravenosa de MSCs autólogas derivadas da medula óssea, seguida de placebo na semana 24, ou para receber placebo seguido de MSCs autólogas na semana 24. Os objetivos foram testar a segurança e a eficácia do tratamento com MSC, através do número de lesões captantes de gadolínio. O tratamento com MSC não atingiu o objetivo primário de eficácia. Os eventos adversos mais frequentes relatados foram infecções e infestações, representando 54 (25%) dos 213 eventos adversos. Nove eventos adversos graves foram relatados em sete pacientes tratados com placebo versus nenhum no grupo MSC. Todos os eventos adversos graves foram considerados não relacionados ao tratamento. Portanto, o tratamento com MSC derivada da medula óssea foi seguro e bem tolerado, mas não mostrou efeito na ressonância magnética, não corroborando o uso de MSCs derivadas da medula óssea para tratar a EM ativa. Os autores concluem que novos estudos deverão abordar o efeito das MSCs em parâmetros relacionados ao reparo tecidual.
Portanto, as evidências clínicas de eficácia das MSCs nos estudos de fase II são ainda conflitantes, sendo necessários novos estudos.
Conclusões
O transplante de células-tronco oferece novas possibilidades para o tratamento de pacientes com EM, embora ainda haja muitas questões em aberto. Desenvolver estratégias para reeducar o sistema imunológico de indivíduos com EM por meio de células-tronco poderá trazer benefícios no futuro. Na terapia com MSCs há necessidade de novos desenvolvimentos tecnológicos, como uma maior padronização dos meios de cultura e de expansão celular, criopreservação, descongelamento, entre outros. Há também a necessidade de monitorar o destino de MSCs. É provável também que a eficácia seja maior se o transplante for realizado na fase inicial da EM, preferencialmente, na fase remitente-recorrente. Além disso, MSCs frescas são melhores do que MSCs criopreservadas.
Terapias combinadas usando neuroprotetores/ imunomoduladores ou componentes remielinizantes/ tróficos/ reparadores oferecem boas promessas no campo da neurorregeneração, embora muito mais pesquisas sejam ainda necessárias para introduzi-las na rotina clínica.
Referências:
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