A Doença de Alzheimer (DA) é uma patologia neurodegenerativa crônica e progressiva, sendo a causa mais comum de demência em todo o mundo. Os processos neuropatológicos que levam à DA começam muitos anos antes do início dos sintomas de comprometimento cognitivo, como perda de memória e problemas de linguagem. Suas primeiras alterações neuropatológicas são o acúmulo de placas de β-amiloide (Aβ) e emaranhados neurofibrilares intracelulares (NFTs) compostos pela proteína Tau.
A depuração cerebral reduzida e a produção excessiva de depósitos Aβ podem ocorrer até 20 anos antes do início do comprometimento cognitivo. A proteína Tau hiperfosforilada e os NFTs podem ser detectados 10–15 anos antes do começo dos sintomas clínicos.
De acordo com os critérios mais recentemente propostos para a DA, o diagnóstico da doença depende de biomarcadores da patologia amiloide (diminuição de Aβ 1-42 ou da razão Aβ 1-42/Aβ 1-40 no líquido cefalorraquidiano — liquor —) ou retenção aumentada do traçador de tomografia por emissão de pósitrons (PET) amiloide; e patologia Tau (retenção aumentada do traçador no PET Tau e aumento nos níveis de tTau e pTau181 no líquido cefalorraquidiano).
Os sintomas neurocognitivos iniciais mais comuns da DA são perda de memória e, em alguns casos, depressão e apatia. Nos estágios intermediário e avançado surgem desorientação, confusão mental, alterações comportamentais e distúrbios da fala e linguagem. Além do histórico médico do paciente, vários testes devem ser realizados para avaliar o declínio da função cognitiva relacionada à DA, incluindo neuropsicológicos, de neuroimagem e avaliação de marcadores bioquímicos.
Critérios Diagnósticos do Espectro da DA
O desenvolvimento de novos métodos e de uma compreensão mais profunda dos mecanismos biológicos da doença resultaram em melhorias nos critérios diagnósticos e avanço nos ensaios clínicos. Inicialmente, a DA era diagnosticada apenas com base nos sintomas clínicos, o que resultava no reconhecimento da doença em um estágio tardio e não permitia um diagnóstico preciso. Um marco na detecção da DA e do comprometimento cognitivo leve (CCL) ocorreu em 2011, quando os biomarcadores foram considerados um dos métodos de diagnóstico apropriados.
A aplicação de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano na prática clínica rotineira permite a detecção da doença em estágios muito iniciais e assintomáticos (pré-clínicos), passando pela fase de pródromo (CCL) até a DA sintomática plena. Outros consensos propuseram diagnosticar a Doença de Alzheimer como uma entidade clínica e biológica com base em biomarcadores “in vivo”.
Por muitos anos, a DA era definida apenas com base nos sintomas, enquanto atualmente biomarcadores no líquido cefalorraquidiano e de RNM/PET fazem parte dos critérios diagnósticos. Os biomarcadores podem auxiliar:
- No diagnóstico clínico da doença, especialmente quando os sintomas são inconclusivos ou atípicos;
- Na pesquisa clínica, permitindo o estudo da evolução de diferentes patologias ao longo do tempo;
- Na observação de tendências temporais na patologia e sua prevalência e morbidade;
- No estabelecimento de diagnósticos diferenciais;
- No diagnóstico precoce.
Interpretação dos Biomarcadores no Líquido Cefalorraquidiano
A maioria dos pacientes com um diagnóstico clínico de Doença de Alzheimer exibe um típico “perfil de biomarcadores de DA”, composto por valores elevados de tTau e pTau181 e níveis diminuídos de Aβ1-42. No entanto, problemas de interpretação podem surgir, especialmente quando nem todos os biomarcadores são patológicos.
Nesse caso, surge a questão de como usar esses dados, que são frequentemente heterogêneos. Uma das soluções propostas é usar a escala de probabilidade para avaliar se processos patológicos característicos da DA estão ocorrendo no paciente com comprometimento cognitivo.
Um exemplo de aplicação de escala é o algoritmo “Erlangen Score”. A pontuação final, que pode confirmar a patologia da DA, é obtida somando os resultados dos biomarcadores no líquido cefalorraquidiano, incluindo biomarcadores de Aβ1-42 (0 = normal; 1 = patologicamente limítrofe; 2 = patológico) e biomarcadores de Tau/pTau (0 = normal; 1 = patologicamente limítrofe; 2 = patológico), com base nos valores de corte aceitos no laboratório.
O resultado é uma pontuação total que pode ser interpretada como: 0— neuroquimicamente normal; 1—DA neuroquimicamente improvável; 2–3— DA neuroquimicamente possível; 4— DA neuroquimicamente provável. Pacientes com pontuações de 2 e 3 podem ser classificados como CCL devido à DA.
Outra questão é a zona de fronteira. No geral, ela é definida como um resultado patológico dentro de 10% do valor de referência, ou seja, uma diminuição de 10% em Aβ1-42 e/ou Aβ1-42/Aβ1-40, ou um aumento de 10% em Tau e/ou pTau181. O uso dessa margem para resultados de biomarcadores torna o algoritmo mais sensível. Vários centros ao redor do mundo, especialmente na Europa, utilizam a Escala de Erlangen.
O sistema de classificação ATN (amiloide, Tau e neurodegeneração) permite a categorização de indivíduos com base em biomarcadores indicativos de patologia neurodegenerativa. O nome do sistema é um acrônimo formado pelas letras iniciais das seguintes palavras: amiloide (CSF Aβ ou amiloide PET: “A”), Tau hiperfosforilada (CSF p-Rau ou Tau PET: “T”) e neurodegeneração (atrofia na ressonância magnética estrutural, PET FDG ou Tau total no LCR: “N”), resultando em nove combinações diferentes de biomarcadores.
Cada categoria de biomarcador é classificada como positiva ou negativa. O Grupo de Trabalho Internacional (IWG) desenvolveu e recomendou esse sistema de classificação. Os resultados dos perfis de biomarcadores positivos e negativos são categorizados em três grupos: “biomarcadores normais de DA”, “continuum de Alzheimer”, com quatro subcategorias, e “mudança patológica não relacionada à DA”.
Outro sistema proposto para a interpretação de resultados de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano é o consenso interpretativo dos perfis bioquímicos de biomarcadores de DA, com base em dados de 40 centros de pesquisa em todo o mundo. Cada perfil incluiu o nível de Aβ (Aβ1-42 ou Aβ1-42/Aβ1-40), Tau total (t-Tau) e pontuações de p-Tau (181) que recebem uma pontuação binária de normal (N) e patológico (P). O consenso interpretativo permitirá a comparação dos resultados dos pacientes no futuro e pode possibilitar a padronização da divulgação de resultados. É possível interpretar resultados dos biomarcadores em diferentes sistemas de pontuação.
Estágio Pré-Clínico da Doença de Alzheimer
Biomarcadores no líquido cefalorraquidiano possibilitam a detecção de alterações patológicas antes do início dos sintomas cognitivos, com alta precisão, sensibilidade e especificidade, apresentando potencial utilidade no diagnóstico pré-clínico. O estágio pré-clínico da DA ainda é amplamente debatido por vários consórcios e grupos de trabalho; no entanto, seu uso é restrito à pesquisa científica, não aplicável na prática clínica. Por um lado, resultados positivos de biomarcadores nas fases iniciais indicam que os processos patológicos já começaram. Por outro, esses processos não estão tão avançados a ponto de se manifestarem na vida cotidiana, como a deterioração das funções cognitivas, e não há certeza de que a progressão ocorrerá.
Recomendações e Desafios
Um diagnóstico precoce permite que o paciente, seus familiares e médicos desenvolvam planos de cuidado, escolham o tratamento mais adequado e compreendam os fatores que aumentam o risco de progressão. A prevalência da Doença de Alzheimer aumenta com a idade, e as populações que envelhecem parecem ser um desafio global de saúde pública. Assim como outras doenças crônicas comuns, a DA se desenvolve como resultado da interação entre vários fatores. O gene APOE-e4 tem o impacto mais significativo no risco de ter DA de início tardio. O segundo fator de risco para a doença é a idade.
A percentagem de pessoas com DA aumenta exponencialmente com a idade: 5,3% daqueles com 65 a 74 anos, 13,8% daqueles com 75 a 84 anos e 34,6% daqueles com 85 anos ou mais têm DA. Exemplos de fatores de risco modificáveis incluem estilo de vida e atividade física, tabagismo, educação, comorbidade, pressão arterial e dieta. Recomendações de 2020 da Comissão Lancet sobre prevenção, intervenção e cuidados com a demência sugerem que abordar fatores de risco modificáveis pode prevenir ou atrasar o início de até 40% dos casos de demência.
A prevenção e o planejamento de estratégias terapêuticas são mais promissores quando o diagnóstico é feito de forma precoce. Uma das possíveis soluções que podem reduzir efetivamente o risco de demência por Doença de Alzheimer é o tratamento precoce. No entanto, para torná-lo possível, seriam necessários testes de triagem, complementados por resultados de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano ou PET.
Avanços no desenvolvimento de métodos ultrassensíveis permitem cada vez mais a testagem desses biomarcadores no sangue. Embora resultados promissores tenham sido obtidos, a sensibilidade e especificidade desses biomarcadores no sangue ainda não correspondem às do líquido cefalorraquidiano, e os resultados dependem dos métodos utilizados.
Para medir esses biomarcadores, necessita-se de métodos ultrassensíveis. Também é relevante destacar que o uso de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano e testes de neuroimagem proporcionam o quadro clínico mais preciso e precoce, com base em critérios diagnósticos bem estabelecidos, o que melhora os resultados do paciente.
Conclusão
O diagnóstico preciso e precoce da demência por Doença de Alzheimer requer:
1) Aplicação de testes neuropsicológicos,
2) Biomarcadores no líquido cefalorraquidiano;
3) Neuroimagem.
A omissão de qualquer uma dessas etapas pode impactar na sensibilidade e especificidade do diagnóstico.
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