O exame de LCR e a Neuro-Oncologia

O exame de LCR é imprescindível no diagnóstico das infiltrações neoplásicas meníngeas. Além disso, novos avanços na análise do LCR, com o uso de técnicas moleculares, vêm se mostrando promissores na avaliação de neoplasias primárias do parênquima encefálico. 

Infiltração tumoral meníngea de tumores sólidos: 

A metástase leptomeníngea acontece em 1-5% dos tumores sólidos, em especial os adenocarcinomas. 

A análise básica do LCR apresenta alterações: 

  • Aumento da manometria: cerca de 50% dos pacientes têm pressão de abertura do LCR > 20 cm H2O;
  • Pleocitose: ocorre em 50-60% dos pacientes, geralmente às custas de linfócitos;
  • Xantocromia: pode acontecer em casos em que o LCR é hemorrágico, sendo isso mais comum nos melanomas, ou quando a proteinorraquia é maior do que 150 mg/dl;
  • Aumento da concentração de proteínas: hiperproteinorraquia é detectada em 60-80% dos casos. Concentrações muito elevadas podem acontecer quando há bloqueio do fluxo liquórico, particularmente em lesão acometendo a medula espinhal e tumores compressivos de medula;
  • Redução da taxa de glicose: glicorraquia com razão LCR/soro < 0,6 acontece em cerca de 30% dos casos.

Além das alterações gerais acima descritas, os métodos específicos são os que confirmam o diagnóstico: 

  • Citomorfologia: A sensibilidade gira em torno de 80-95%, sendo que alguns procedimentos aumentam a sensibilidade:
    • Coleta de volumes maiores de LCR (10 ml);
    • Rápido processamento das amostras;
  • Realização de coletas repetitivas.
  • Imunocitoquímica: Contribui para aumentar a acurácia, podendo definir o sítio primário do tumor, em casos de metástases de origem indefinida.
  • Marcadores tumorais:
    • Beta-HCG e Alfafetoproteína são bastante específicos para tumores germinativos;
    • CEA, PSA, CA-15-3, CA-125 podem fornecer evidência de disseminação tumoral;
    • MART-1 e MAGE-3 são marcadores de melanomas.

Infiltração meníngea de neoplasias hematológicas: 

Leucemias e linfomas cursam com infiltração meníngea em 5-15% dos casos. O mecanismo exato levando à extensão da leucemia em SNC não é totalmente compreendido, mas acredita-se que as células tumorais possam infiltrar diretamente o SNC (meninges, espaço subaracnóideo e parênquima cerebral). 

A leucemia linfoblástica aguda (LLA) é a que mais frequentemente está associada à infiltração do SNC, ocorrendo em 3-5% dos casos nas crianças e 5-10% Nos pacientes adultos com LLA. Nas leucemias mieloblásticas agudas a infiltração meníngea é verificada em 10% das crianças e 5% dos adultos. Nas formas crônicas esta complicação é menos frequente, sendo identificada na leucemia linfoblástica crônica (LLC) em 1% dos casos, sendo raro o acometimento do SNC na leucemia mieloide crônica (LMC). 

A presença de infiltração está associada à piora do prognóstico e aumento do risco de recidiva. Em pacientes com infiltração do SNC as recidivas são verificadas em 30-40% dos casos, sendo que nos casos de LLA sem infiltração meníngea a recidiva ocorre em 3-6% dos pacientes.

Além da infiltração neoplásica pelas células tumorais, outras complicações neurológicas podem ocorrer em pacientes com leucemias: hemorragia intracraniana; encefalopatia, que pode ser secundária a processos infecciosos, alterações metabólicas ou efeito dos quimioterápicos; além de meningites infecciosas. 

As complicações neurológicas nas leucemias devem ser rapidamente identificadas, visando iniciar o tratamento o mais rápido possível, aumentando as chances de sucesso terapêutico. O quadro clínico é inespecífico, podendo haver cefaleia, alteração de consciência, alteração de pares cranianos e outros sintomas neurológicos focais. 

Os exames de neuroimagem são importantes, pois podem detectar hemorragias e outras lesões expansivas que, por vezes, contraindicam a realização da punção lombar (PL). A PL e o exame de LCR são de fundamental importância na avaliação destes casos. O exame de LCR pode identificar infecções oportunistas e demonstrar a infiltração meníngea por células tumorais. Este diagnóstico é feito tradicionalmente pelo exame citomorfológico do LCR, que pode apresentar-se negativo em cerca de 45% dos casos. Tal sensibilidade pode ser aumentada através da obtenção de maior volume liquórico, punções repetidas e pela análise das células liquóricas por um profissional especializado e experiente. 

De acordo com um estudo publicado pelo Senne Liquor, a sensibilidade da citomorfologia é ainda menor quando a contagem de células se encontra dentro de valores normais. Nestes casos a sensibilidade pode ser significativamente aumentada pela imunofenotipagem após citometria de fluxo (Figura 1). 

Figura 1

Diagrama, Desenho técnico, Esquemático

Descrição gerada automaticamente

Na imunofenotipagem, são marcados antígenos celulares. A Figura 2 ilustra a identificação de populações e subpopulações celulares através de imunofenotipagem:

Figura 2

Gráfico, Gráfico de dispersão

Descrição gerada automaticamente

A utilização da imunofenotipagem contribui para a identificação de infiltração meníngea em casos onde a citomorfologia é duvidosa, reduzindo a necessidade de punções repetidas, corroborando com a pronta implementação de medidas terapêuticas. 

Além do exame de LCR para diagnóstico de complicações neurológicas relacionadas às leucemias, é importante destacar que o procedimento de punção lombar é utilizado para a administração de medicamentos como o metotrexato, a citarabina e a hidrocortisona em pacientes com LLA, seja durante a indução, seja durante o tratamento de recidivas. Portanto, a punção lombar e o exame do LCR são de fundamental importância na abordagem de pacientes com leucemias e complicações neurológicas, contribuindo para o diagnóstico precoce, permitindo um tratamento mais rápido e efetivo, melhorando, assim, o prognóstico destes pacientes. 

Biópsia líquida em LCR:

A biópsia líquida se baseia na identificação de sequências genômicas de tumores. Ela tem se mostrado promissora para a pesquisa e o monitoramento de tumores afetando o SNC, particularmente os gliomas. 

A biópsia líquida é mais específica do que técnicas citológicas e exames de imagem, e não requer células íntegras. Duas metodologias são possíveis. Uma delas busca identificar regiões pré-conhecidas de tumores do sistema nervoso. Apesar de ter custo mais baixo, esta metodologia necessita de conhecimento prévio do tipo de tumor a ser pesquisado. Uma segunda estratégia consiste em buscar mutações a partir da realização de sequenciamento amplo. Esta estratégia tem maior sensibilidade e pode ser usada mesmo quando ainda se desconhece o tipo de tumor a ser buscado. Contudo, apresenta um custo mais elevado. 

A biópsia líquida de LCR pode ser usada para a pesquisa e o monitoramento terapêutico de gliomas. Sua sensibilidade é maior em tumores mais próximos do espaço liquórico. Embora ainda em fase de padronização, a biópsia líquida apresenta grande potencial para identificação e monitoramento de tumores do SNC, reduzindo a necessidade de técnicas invasivas, como a biópsia cerebral.         

Bibliografia consultada: 

  • Bento LC, Correia RP, Alexandre AM, Nosawa ST, Pedro EC, Vaz ADC, Schimidell D, Fernandes GBP, Duarte CAS, Barroso RS, Bacal NS. Detection of Central Nervous System Infiltration by Myeloid and Lymphoid Hematologic Neoplasms Using Flow Cytometry Analysis: Diagnostic Accuracy Study. Front Med (Lausanne) 2018;5:70. 
  • Domingues RB, de Moura Leite FBV, Senne C. Cerebrospinal fluid findings in patients with hematologic neoplasms and meningeal infiltration. Acta Neurol Belg 2020. doi: 10.1007/s13760-020-01397-0.
  • Girard S, Fenneteau O, Mestrallet F, Troussard X, Lesesve JF. Recommendations for cerebrospinal fluid examination in acute leukemia. Ann Biol Clin (Paris) 2017;75(5):503-512. 
  • Seoane J, De Mattos-Arruda L, Le Rhun E, Bardelli A, Weller M. Cerebrospinal fluid cell-free tumour DNA as a liquid biopsy for primary brain tumours and central nervous system metastases. Ann Oncol 2019;30(2):211-218. doi: 10.1093/annonc/mdy544.
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  • Wang N, Bertalan MS, Brastianos PK. Leptomeningeal metastasis from systemic cancer: Review and update on management. Cancer 2018;124(1):21-35. doi: 10.1002/cncr.30911.