Punção Lombar e o Risco de Cefaleia Pós-Punção
Introdução
A punção lombar (PL) é um procedimento amplamente utilizado na prática médica para diagnóstico e, em alguns casos, tratamento de diversas condições neurológicas. Trata-se de uma técnica invasiva que consiste na inserção de uma agulha na região lombar para coleta de líquido cefalorraquidiano (LCR), medição da pressão liquórica ou administração de medicamentos.
Dentre as complicações potenciais da PL, a cefaleia pós-punção (CPP) é uma das mais comuns, ocorrendo em aproximadamente 10 a 40% dos pacientes submetidos ao procedimento. Essa condição resulta da perda de LCR através do orifício dural, levando a uma redução do volume intracraniano e consequente tracionamento das estruturas cerebrais. Clinicamente, a cefaleia pós-punção é caracteristicamente ortostática, piorando na posição ereta e aliviando ao decúbito.
Características Clínicas e Critérios Diagnósticos
A International Headache Society (IHS) define a cefaleia pós-punção lombar nos critérios diagnósticos da International Classification of Headache Disorders (ICHD-3). Os critérios incluem:
- Cefaleia que se desenvolve dentro de cinco dias após a punção lombar.
- Presença de uma das seguintes características:
- Ortostática (piora na posição ereta e melhora ao deitar-se).
- Associada a sintomas como náusea, rigidez cervical, zumbido, fotofobia e diplopia.
- Resolução espontânea da cefaleia dentro de 14 dias ou alívio sustentado após um procedimento de “blood patch” epidural.
Os sintomas da CPP podem variar de leves a incapacitantes, e sua fisiopatologia envolve a redução do volume e da pressão do LCR, resultando em deslocamento caudal das estruturas intracranianas e tração das meninges e vasos sanguíneos.
Fatores de Risco para Cefaleia Pós-Punção
- Fatores Relacionados ao Paciente
Algumas características individuais aumentam o risco de desenvolvimento da CPP, incluindo:
- Idade e sexo: Mulheres jovens (entre 18 e 40 anos) apresentam maior risco, possivelmente devido a diferenças na composição do tecido conjuntivo e na pressão liquórica basal.
- IMC reduzido: Pacientes com índice de massa corporal (IMC) baixo parecem ter maior susceptibilidade, possivelmente devido a uma menor pressão liquórica basal.
- Histórico prévio de CPP: Indivíduos que tiveram cefaleia pós-punção em procedimentos anteriores apresentam maior risco de recorrência.
- Gravidez: Mulheres grávidas submetidas à PL, especialmente para anestesia raquidiana, apresentam maior incidência de CPP.
- Hipotensão arterial: Alguns estudos sugerem que pacientes com tendência à hipotensão podem ter maior predisposição à cefaleia pós-punção.
- Fatores Relacionados ao Material Utilizado
O tipo de agulha e a técnica utilizada são determinantes na incidência da CPP. Os principais aspectos a serem considerados incluem:
- Calibre da Agulha: Agulhas de maior calibre aumentam a probabilidade de perda de LCR, elevando o risco de CPP. O uso de agulhas mais finas (25G ou menores) está associado a uma redução significativa no risco.
- Design da Agulha: Agulhas cortantes (Quincke) têm um risco maior de CPP em comparação com agulhas atraumáticas (“pencil point”), que apresentam ponta em formato de lápis e minimizam o dano tecidual, reduzindo a perda de LCR.
- Direção da Ponta da Agulha: Inserir a agulha paralelamente às fibras da dura-máter, em vez de perpendicularmente, pode reduzir o tamanho do orifício dural e a perda de LCR.
Estratégias para Minimizar o Risco de Cefaleia Pós-Punção
Diversas medidas podem ser adotadas para reduzir a incidência de CPP após a punção lombar, incluindo:
- Escolha Adequada da Agulha:
- Preferência por agulhas de menor calibre (25G ou menores quando possível).
- Uso de agulhas atraumáticas (Whitacre, Sprotte) para reduzir o dano dural.
- Técnica Correta de Inserção:
- Posicionar a agulha paralela às fibras durais para minimizar a abertura do orifício.
- Evitar redirecionamentos excessivos da agulha durante o procedimento.
- Uso de Estilete:
- Recolocar o estilete antes da remoção da agulha pode minimizar o trauma dural e reduzir a perda de LCR.
- Posicionamento do Paciente:
- Estudos mostram que a punção na posição sentada pode aumentar a incidência de CPP, enquanto a posição em decúbo lateral pode ser menos traumática.
- Repouso Pós-Punção:
- Embora o repouso prolongado após a PL não tenha se mostrado eficaz na prevenção da CPP, recomenda-se evitar esforços excessivos nas primeiras 24 horas.
- Hidratação e Cafeína:
- Manutenção da hidratação adequada pode auxiliar na reposição do LCR.
- O consumo de cafeína tem sido sugerido como possível estratégia para reduzir o risco de CPP, devido ao seu efeito vasoconstritor.
Estudo Realizado no Senne Liquor
Um estudo publicado no Headache Medicine avaliou a incidência e os fatores de risco associados à cefaleia pós-punção lombar em pacientes atendidos no laboratório Senne Liquor. O estudo analisou retrospectivamente dados de pacientes submetidos ao procedimento, comparando diferentes técnicas e tipos de agulha utilizados.
Os principais achados do estudo indicaram que o uso de agulhas atraumáticas reduziu significativamente a incidência de cefaleia pós-punção. Além disso, a posição em decúbito lateral durante a punção mostrou-se associada a uma menor taxa de complicações em comparação com a posição sentada. O estudo também reforçou que pacientes do sexo feminino e aqueles com menor IMC apresentaram maior risco para o desenvolvimento da condição.
Esses achados corroboram as diretrizes atuais para a realização da punção lombar, enfatizando a importância da escolha criteriosa do material e da técnica utilizada para minimizar o risco de cefaleia pós-punção.
Conclusão
A cefaleia pós-punção é uma complicação frequente da PL, com impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. O risco de sua ocorrência pode ser reduzido por meio de medidas preventivas, incluindo a escolha adequada da agulha, técnicas corretas de punção e atenção aos fatores de risco individuais. O conhecimento sobre essas estratégias permite uma abordagem mais segura e eficaz do procedimento, minimizando suas complicações.
Referências
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- Domingues RB, et al. Incidência e fatores de risco da cefaleia pós-punção lombar: estudo realizado no Senne Liquor. Headache Medicine. 2023;14(3):705.
- Evans RW. Complications of lumbar puncture. Neurol Clin. 1998;16(1):83-105.
- International Headache Society. The International Classification of Headache Disorders, 3rd edition (ICHD-3). Cephalalgia. 2018;38(1):1-211.