RELAÇÃO ENTRE A MONONUCLEOSE INFECCIOSA E A ESCLEROSE MÚLTIPLA (EM)

Um estudo recém-publicado na revista Science, feito por pesquisadores americanos, da Escola de Saúde Pública da “Harvard T. H. Chan School of Public Health, Boston, MA, USA”, investigou a relação entre infecção pelo EBV e o risco de desenvolver EM. Os autores avaliaram uma base de dados de jovens militares americanos, que são regularmente submetidos a exames de sangue ao longo do serviço militar. Os dados clínicos e as amostras de soro destes jovens são armazenados em uma grande base. Ao todo, mais de 10 milhões de militares tiveram seus dados analisados neste estudo.   

             Destes, foram incluídos 801 jovens militares que desenvolveram EM entre 1993 e 2013, e 1566 controles que não desenvolveram esta doença, selecionados aleatoriamente e pareados por idade, gênero e etnia. Em todos estes indivíduos, foi analisada a positividade de reação sorológica contra EBV em três amostras de soro, ao longo de cerca de 10 anos. Trinta e cinco indivíduos do grupo EM e 107 controles eram soronegativos para EBV na primeira amostra. No grupo EM, 97% dos inicialmente soronegativos evoluíram para a soropositividade ao longo do período da análise. Entre os controles inicialmente soronegativos, apenas 57% apresentaram soroconversão ao longo deste período. Esta diferença foi bastante significativa do ponto de vista estatístico. Com o objetivo de avaliar se este fenômeno seria relacionado à imunoativação e não um efeito direto da infecção pelo EBV, foi avaliada a soroconversão para o citomegalovírus (CMV) nas mesmas amostras. Não houve diferença no percentual de soropositivação para o CMV entre o grupo MS e o grupo controle.   

             Outro dado interessante deste estudo é que houve uma correlação entre a positivação de anticorpos anti-EBV e aumento dos níveis de neurofilamento de cadeia leve (NfL). O NfL é um marcador de neurodegeneração e um biomarcador associado à EM. Este achado é mais um dado a corroborar a potencial associação causal entre infecção pelo EBV e desenvolvimento de EM.   

             Embora o mecanismo exato ligando a infecção pelo EBV à EM ainda seja incerto, um outro estudo recente, publicado na revista Nature, realizado na Stanford University, trouxe algumas pistas neste sentido. Os autores deste estudo mostraram mimetismo molecular entre o fator de transcrição de antígeno nuclear 1 do EBV (EBNA1) e a proteína de adesão de células gliais do SNC (GlialCAM). Além da demonstração do mimetismo molecular, a imunização com o antígeno EBNA1 exacerbou a doença em um modelo experimental de EM em camundongos. Outra evidência neste sentido é que os anticorpos anti-EBNA1 e anti-GlialCAM são altamente prevalentes em pacientes com EM.  

             Estes achados corroboram um potencial papel causal da infecção pelo EBV no desenvolvimento da EM. Outros fatores certamente participam, incluindo genética, níveis de vitamina D ao longo da infância, entre outros. Contudo, se a infecção pelo EBV exerce um papel causal, pelo menos para uma parte dos pacientes que desenvolvem EM, é possível que o desenvolvimento de uma forma eficaz de imunização, que previna esta infecção, possa contribuir para redução do risco de desenvolvimento desta doença.   

 Referências  

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