Sequelas neurológicas pós COVID-19 

Inúmeras publicações têm abordado as manifestações neurológicas após Covid-19. Os mecanismos aventados para o surgimento das manifestações neurológicas são:  

  1. Neuroinvasão – o material genético do virus foi identificado em amostras de LCR em alguns casos de encefalite ou de outras manifestações neurológicas. As vias apontadas como possíveis portas de entrada são a olfatória e a quebra da barreira hematoencefálica.   
  2. Infiltração de células inflamatórias no sistema nervoso central. A resposta inflamatória é desencadeada sistemicamente e pode ser seguida de aumento de tráfego de monócitos, neutrófilos, e de células T através das meninges e do plexo coroide.  
  3. Mecanismos indiretos – dentre eles são citados a insuficiência respiratória, com danos ao SNC por conta da hipóxia, a acidose e a inflamação sistêmica. Esta última produz interleucinas, TNF-alfa, metaloproteinases de matriz, entre outras moléculas, que adentram o SNC, exercendo neurotoxicidade. Além disso, este processo gera um estado de hipercoagulabilidade, que pode determinar danos vasculares ao SNC.       

 Tais mecanismos produzem diferentes quadros clínicos na fase aguda da doença, sendo que os principais são:  

  1. Encefalopatia/Encefalite: muitos pacientes, em especial aqueles com formas graves da doença, apresentam alterações do estado mental e rebaixamento do nível de consciência. Alterações de consciência ocorrem em cerca de 5% dos pacientes hospitalizados por COVID-19. Duas são as possibilidades a serem consideradas nestes casos:  
    1. Encefalopatia decorrente do processo inflamatório sistêmico, pelos mecanismos acima citados. Corrobora esta hipótese o fato de muitos pacientes com alteração mental não apresentarem anormalidades neurorradiológicas à ressonância magnética (RM), nem tampouco alterações liquóricas. Nestes casos a RT-PCR para COVID-19 é negativa.  
    2. Encefalite. Em alguns casos há alterações do parênquima encefálico, demonstradas à ressonância, alterações sutis nos parâmetros liquóricos, com pleocitose discreta e aumento leve da proteinorraquia. Em alguns casos há identificação do material genético viral pela RT-PCR. Portanto, os casos com comprometimento da consciência devem ser avaliados com RM e LCR, incluindo a RT-PCR para SARS-COV-2.  
  2. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI): O AVCI ocorre em cerca de 1-3% dos pacientes hospitalizados por COVID-19. Pode ocorrer em pacientes sem os fatores de risco clássicos para as doenças cerebrovasculares, incluindo pacientes jovens.  
  3. Complicações neurológicas pós infecciosas: Tal como ocorre em outros processos infecciosos, a infecção pelo SARS-COV-2 pode desencadear a formação de linfócitos autorreativos, com subsequente dano em SNC ou SNP. Casos de Síndrome de Guillain-Barrè (SGB) e Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM) foram descritos.   
  4. Complicações neurológicas do paciente crítico: os pacientes com longa permanência em UTI podem apresentar alterações neurológicas secundárias, como alterações cognitivas e polineuropatia do paciente crítico.  

 As consequências neurológicas a médio e longo prazo dos pacientes que apresentam tais complicações, e se recuperam da infecção aguda, seja na esfera cognitiva ou na esfera motora, estão sendo prospectivamente avaliadas por inúmeros estudos.  

Além disso, dados recentes apontam para uma outra preocupação, a existência de manifestações neurológicas de longo prazo em pacientes não hospitalizados, e que tenham apresentado formas leves da doença. Um levantamento feito por colegas da UNICAMP, aponta que 67% dos pacientes recuperados da COVID-19, sem necessidade de hospitalização, apresentam algum sintoma neurológico dois meses após a recuperação: fadiga crônica (30%), queixa de memória (25%), anosmia (20%), cefaleia persistente (15%), ageusia (10%). 

No momento estes pesquisadores buscam avaliar possíveis alterações estruturais, à RM de alta resolução, relacionadas a tais anormalidades clínicas.  

Portanto, além de uma investigação precisa e profunda dos casos agudos com manifestações neurológicas, com exames de neuroimagem, LCR e RT-PCR, há necessidade de seguimento neurológico destes pacientes para melhor conhecermos a história natural das manifestações neurológicas da COVID-19.     

 Bibliografia consultada: