Revista NewsLab
Artigo Senne Liquor – fevereiro de 2025
Sistema Glinfático: a relação entre o líquido cefalorraquidiano e a Doença de Alzheimer
Renan Domingues, Daiane Salomão, Márcio Vega, Amilton Moro, Lais Guerra, Carlos Senne
Introdução
A despeito da ausência de um sistema linfático convencional, o sistema nervoso central (SNC) desenvolveu mecanismos próprios para a remoção de metabólitos e proteínas potencialmente tóxicas. Entre esses mecanismos, destaca-se o sistema glinfático, descrito pela primeira vez em 2012. Esse sistema, fortemente dependente dos canais de aquaporina-4 (AQP4) expressos nos pés terminais dos astrócitos, desempenha papel essencial na remoção de subprodutos neuronais, incluindo os peptídeos beta-amiloide (βA) e tau hiperfosforilado, ambos cruciais na fisiopatologia da doença de Alzheimer (DA). Alterações na expressão e localização da AQP4 comprometem a eficiência do sistema glinfático, favorecendo o acúmulo dessas proteínas neurotóxicas.
O Sistema Glinfático e sua Descoberta
O sistema glinfático foi identificado como um mecanismo especializado de fluxo entre o LCR e do fluido intersticial cerebral, promovendo a remoção de metabólitos e toxinas do parênquima encefálico. Esse sistema é impulsionado pelo gradiente de pressão arterial e pela distribuição de AQP4 nos astrócitos, permitindo que solutos sejam transportados ao longo dos espaços perivasculares e drenados para os vasos linfáticos meníngeos e gânglios cervicais profundos.
O sistema glinfático permite o movimento do LCR do espaço subaracnóideo ao longo dos espaços periarteriais, onde se mistura com o fluido intersticial dentro do parênquima do sistema nervoso central, antes de finalmente sair do mesmo através dos espaços perivenosos e ser drenado para o sistema linfático periférico. Esse movimento de fluido ocorre por meio de uma mistura de advecção e difusão e permite a troca rápida de fluido em direção ao sistema venoso depende de fatores fisiológicos, tais como a fluxo sanguíneo arterial e a respiração, que estabelecem essa direcionalidade
Fatores que Comprometem a Eficiência do Sistema Glinfático
Diversas condições fisiológicas e patológicas afetam a eficiência do sistema glinfático. Durante o sono, observa-se um aumento significativo da atividade glinfática, com maior depuração de proteínas neurotóxicas. Em contrapartida, o envelhecimento e doenças cerebrovasculares reduzem a funcionalidade do sistema, favorecendo a retenção de βA e tau. A hipoatividade do sistema glinfático está associada à perda da polarização da AQP4, que deixa de se concentrar nos pés terminais dos astrócitos e se redistribui pelo parênquima, reduzindo a eficiência do fluxo de fluidos intersticiais.
A Patogênese da Doença de Alzheimer e o Papel do Sistema Glinfático
A doença de Alzheimer é caracterizada pelo acúmulo de placas extracelulares de βA e emaranhados neurofibrilares de tau hiperfosforilado, que desencadeiam neurodegeneração progressiva. Evidências indicam que a depuração comprometida desses agregados proteicos pelo sistema glinfático pode contribuir para a fisiopatologia da doença. Estudos demonstram que a expressão reduzida e a desorganização da AQP4 estão correlacionadas com o aumento da carga amiloide e tau no cérebro de pacientes com DA.
A AQP4 parece desempenhar um duplo papel na DA: por um lado, facilita a remoção de βA e tau pelo sistema glinfático; por outro, alterações na sua localização e expressão podem amplificar os efeitos deletérios dessas proteínas. Modelos animais de DA demonstram que a deleção genética de AQP4 reduz a depuração de βA em até 50%, agravando a formação de placas amiloides e a neurodegeneração associada.
Implicações Terapêuticas e Profiláticas
A elucidação do papel do sistema glinfático e da AQP4 na DA abre novas perspectivas terapêuticas. Intervenções voltadas para a preservação da polarização da AQP4, a melhora da perfusão cerebral e a otimização do fluxo glinfático podem auxiliar na prevenção e no tratamento da doença. Estratégias incluem:
- Modulação da AQP4: Pequenas moléculas que estabilizam a expressão e a distribuição da AQP4 nos astrócitos podem melhorar a depuração de proteínas neurotóxicas.
- Sono e Hábitos de Vida: Melhorar a qualidade do sono e reduzir fatores de risco cardiovascular podem contribuir para a manutenção da eficiência do sistema glinfático.
- Estimulação Vasomotora: A promoção da pulsatilidade arterial através de exercícios físicos pode otimizar o fluxo do LCR e a depuração glinfática.
- Fármacos e Intervenções: Algumas drogas estão sendo testadas para aumentar a eficiência do sistema glinfático, incluindo compostos que melhoram a dinâmica do LCR e reduzem o acúmulo de βA.
Conclusão
O sistema glinfático e a AQP4 emergem como alvos promissores na prevenção e tratamento da doença de Alzheimer. A compreensão mais aprofundada dos mecanismos de depuração cerebral pode levar ao desenvolvimento de novas terapias neuroprotetoras, contribuindo para a redução da carga da DA e outras doenças neurodegenerativas.
Referências
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