Tratamento da Cefaleia Pós-Punção Dural

Introdução                                

A cefaleia pós-punção lombar (CPPL) é uma complicação potencial da punção lombar diagnóstica, caracterizando-se como uma cefaleia predominantemente postural, frequentemente associada a rigidez cervical, fotofobia, náusea e sintomas auditivos subjetivos.

Embora a fisiopatologia exata da CPPL não seja completamente elucidada, acredita-se que esteja relacionada ao extravasamento de líquido cefalorraquidiano (LCR) através do orifício dural criado pela agulha. Quando a taxa de vazamento supera a produção de LCR, pode ocorrer uma redução da pressão liquórica, que se torna mais evidente na posição ortostática.

A incidência da CPPL varia de acordo com fatores de risco do paciente e do procedimento. Os fatores relacionados ao paciente incluem sexo feminino, gravidez, histórico prévio de cefaleia, idade entre 18 e 50 anos, baixa pressão de abertura do LCR e baixo índice de massa corporal (IMC).

Entre os fatores relacionados ao procedimento, destacam-se:

  • Tipo de agulha: agulhas espinhais de ponta de lápis e de menor calibre estão associadas a menor risco de CPPL.
  • Orientação da agulha: a inserção do bisel paralelo ao eixo longitudinal da coluna reduz a incidência da CPPL.
  • Reinserção do mandril: a reinserção do mandril antes da remoção da agulha pode minimizar o risco de CPPL.

O repouso no leito após a punção lombar é frequentemente recomendado. Embora não previna a CPPL, pode contribuir para a redução da intensidade da cefaleia nos pacientes sintomáticos.

 

Diagnóstico da CPPL

O diagnóstico da CPPL é essencialmente clínico e baseia-se na presença de uma cefaleia com componente postural, surgindo dentro de 72 horas após a punção dural. Caso os sintomas sejam atípicos, deve-se considerar outras hipóteses diagnósticas.

A neuroimagem, incluindo tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), não é rotineiramente indicada, a menos que seja necessária para excluir diagnósticos diferenciais. Quando realizada, a RM pode evidenciar achados sugestivos de hipotensão intracraniana, tais como:

  • Redução do volume ventricular
  • Deslocamento descendente do cérebro
  • Congestão dos seios venosos cerebrais
  • Coleções subdurais de líquido
  • Hipertrofia hipofisária
  • Realce difuso das meninges

 

Tratamento

O manejo da CPPL é determinado pela gravidade da cefaleia e pelo impacto funcional sobre o paciente.

Abordagem Terapêutica

  • CPPL leve: Pacientes que toleram a posição ortostática e mantêm suas atividades diárias são considerados como portadores de CPPL leve. Em pacientes obstétricas, um critério prático para avaliação do impacto funcional é a capacidade de cuidar do recém-nascido. O manejo conservador inicial inclui:
    • Repouso conforme necessário
    • Analgésicos orais (paracetamol, anti-inflamatórios não esteroides – AINEs)
    • Antieméticos, se necessário
  • CPPL moderada a grave: Pacientes incapazes de permanecer em pé ou sentados, ou que apresentam impacto significativo nas atividades diárias, devem ser considerados para tratamento mais agressivo. Nesses casos, recomenda-se a realização do patch sanguíneo epidural (BLOOD PATCH), que frequentemente proporciona alívio sintomático significativo e duradouro.

 

Tratamento Farmacológico

Diversos fármacos foram avaliados no tratamento da CPPL em pequenos ensaios clínicos, mas nenhum demonstrou eficácia definitiva para essa indicação. No entanto, algumas opções podem ser consideradas para manejo sintomático.

  • Cafeína: frequentemente utilizada, isoladamente ou em combinação com paracetamol. No entanto, as evidências científicas que sustentam seu uso ainda são limitadas.
  • Analgésicos simples: o uso de paracetamol ou AINEs pode ser empregado para alívio sintomático. Contudo, não há evidências robustas de sua eficácia específica para CPPL.
  • Outros fármacos: há relatos sugerindo que gabapentina, hidrocortisona, teofilina e neostigmina/atropina podem reduzir a gravidade da CPPL. O sumatriptano, por outro lado, não demonstrou benefício clínico significativo para essa condição.

 

Patch Sanguíneo Epidural (BLOOD PATCH)

O patch sanguíneo epidural é considerado o tratamento definitivo para CPPL refratária ao manejo conservador.

Contraindicações

As contraindicações para a realização do BLOOD PATCH incluem:

  • Coagulopatias ou uso de anticoagulantes
  • Infecção sistêmica ou no local da punção epidural

Embora pacientes com HIV apresentem um risco teórico de infecção do sistema nervoso central (SNC) após o BLOOD PATCH, não há relatos de complicações adicionais em indivíduos infectados submetidos a anestesia neuroaxial ou ao procedimento.

 

Técnica do Patch Sanguíneo Epidural (BLOOD PATCH)

O BLOOD PATCH consiste na injeção de sangue autólogo no espaço epidural, promovendo o aumento da pressão liquórica e a formação de um coágulo que pode vedar o defeito dural.

Passo a passo do procedimento:

  1. O paciente é posicionado conforme a técnica da anestesia epidural.
  2. Uma agulha epidural é introduzida no espaço epidural utilizando-se o método da perda de resistência.
  3. Simultaneamente, uma seringa com sangue autólogo (aproximadamente 20 mL) é coletada sob técnica asséptica.
  4. O sangue é injetado lentamente no espaço epidural.

O paciente deve permanecer em decúbito dorsal por, pelo menos, 30 a 60 minutos após o procedimento.

 

Momento ideal para realização do BLOOD PATCH

O momento ideal para a realização do BLOOD PATCH ainda não está bem estabelecido. No entanto, alguns estudos sugerem que a eficácia do procedimento pode ser maior quando realizado após 24 a 48 horas da punção dural.

 

Complicações do BLOOD PATCH

Embora geralmente seguro, o BLOOD PATCH pode estar associado a algumas complicações, incluindo:

  • Dor lombar transitória – a mais comum, autolimitada na maioria dos casos.
  • Punção dural acidental durante o procedimento – pode resultar em injeção intratecal de sangue, hematoma subdural espinhal ou aracnoidite.
  • Infecção – como meningite ou abscesso subdural, embora rara.
  • Paralisia do nervo facial – efeito adverso raro, mas relatado em alguns casos.
  • Síndrome da cauda equina – complicação grave, embora extremamente rara.

 

Conclusão

A cefaleia pós-punção lombar é uma complicação frequente da punção lombar e da anestesia neuroaxial. O manejo deve ser individualizado de acordo com a gravidade dos sintomas.

O tratamento conservador pode é eficaz na maioria dos casos, enquanto o BLOOD PATCH representa a opção terapêutica mais eficaz para casos moderados a graves, proporcionando alívio sintomático imediato na maioria dos pacientes.

A escolha adequada da técnica e da agulha, aliada à adoção de estratégias preventivas, pode reduzir significativamente a incidência dessa complicação.

Referências:

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