Identificando complicações neurológicas em pacientes com Covid-19 por meio do exame do líquido cefalorraquidiano

• Em fevereiro de 2020, Mao e cols. publicaram uma série retrospectiva de 214 pacientes internados, dos quais 78 (36,4%) apresentavam sintomatologia neurológica.
• Entre os sintomas inespecíficos reportados, os mais frequentes foram:
  • Tontura (16,8%);
  • Cefaleia (13,1%);
  • Mialgia com aumento das enzimas musculares em até 19%.

• Desde o início da pandemia, tem se verificado alta prevalência desses sintomas, que podem acontecer em mais de 85% dos pacientes.
• Chama a atenção que apenas 18% desses pacientes têm obstrução nasal e rinorreia. Isso sugere que o sintoma não decorre de acometimento de mucosa e que o vírus pode afetar nervos cranianos, como o nervo olfatório.
• Giacomelli e col. Clinical Infectious Diseases, 2020; Lechien e cols. European Archives of Oto-rhino-laryngology, 2020.

Veja também: A importância do exame do líquido cefalorraquidiano em casos de Covid-19.

• A encefalopatia, da mesma forma que ocorre em outras infecções graves, pode acontecer em pacientes com Covid-19.
• Os sintomas mais frequentes são os habitualmente verificados nesses casos, como agitação psicomotora, confusão mental e rebaixamento do nível de consciência.
• As causas aventadas de disfunção cerebral nesses casos são: hipóxia, produção exagerada de mediadores inflamatórios com efeitos em SNC, efeitos centrais de medicações depressoras do SNC e crises epilépticas subclínicas.
• Os exames de imagem e do líquido cefalorraquidiano em geral não mostram alterações significativas.
• Guan e cols. The New England Journal of Medicine, 2020; Xu e cols. The Lancet Respiratory Medicine,  2020; Filatov e cols. Cureus 2020; Mao e cols. JAMA Neurology, 2020; Helms e cols. The New England Journal of Medicine, 2020.

• O primeiro caso de suspeita de Encefalite por Covid-19 foi publicado por Xiang et al, em um paciente de Wuhan, de 56 anos, com rebaixamento de consciência. O exame do líquido cefalorraquidiano não mostrou alterações na celularidade e na bioquímica, mas a RT-PCR foi positiva no material.
• Morigushi e cols. relataram um segundo caso de encefalite associada à Covid-19, em um paciente que iniciou com crises epilépticas refratárias após 9 dias de sintomas respiratórios. A ressonância mostrou lesão compatível com Encefalite ou Esclerose Mesial Temporal (Figura 1). O líquido cefalorraquidiano  tinha 32 cm H20 de pressão de abertura, 12 células/mm3, sendo 10 linfócitos e 2 polimorfonucleares e RT-PCR positivo para Covid-19. Não há outros dados liquóricos e o líquido cefalorraquidiano não foi testado para outros vírus.
• Um terceiro caso de Encefalite foi relatado por Paniz-Mondolfi e cols., de um paciente de 74 anos, com confusão mental após síndrome respiratória. O líquido cefalorraquidiano não foi coletado, mas na autópsia o coronavírus foi identificado em tecido cerebral (Figura 2).

• Poyiadji e cols. descreveram o caso de um paciente com Síndrome Respiratória Aguda e sintomas neurológicos, cuja ressonância de crânio mostrou lesões hemorrágicas talâmicas bilaterais, em regiões mesiais temporais e subinsulares, compatíveis com Encefalopatia Necro-hemorrágica (Figura 3). O líquido cefalorraquidiano não foi testado para a Covid-19 nem para o vírus HSV.

• Inúmeros vírus podem desencadear a SGB.
• Zhang e cols. descreveram um primeiro caso de SGB, com paraparesia ocorrendo após sintomas respiratórios por Covid-19 e líquido cefalorraquidiano com dissociação proteíno-citológica (proteína=124 mg/dl).
• Novos relatos se seguiram.  O quadro neurológico tem sido descrito entre 5 a 10 dias após o início dos sintomas, líquido cefalorraquidiano com celularidade normal e proteína variando de 40 a 193 mg/dl.
• Nos poucos casos testados, a RT-PCR em líquido cefalorraquidiano e os anticorpos anti-gangliosídeos foram negativos.

• O AVC parece ser a complicação neurológica mais temida associada à Covid-19.
• Em um relato inicial, Wuhan Li e cols. relataram a prevalência de AVC em uma população de 221 pacientes com Covid-19.
• Destes, 11 (5%) tiveram AVCI, um (0,5%) teve trombose venosa central e um (0,5%) teve AVCH.
• Os fatores de risco foram: idade avançada, forma grave da Covid-19, HAS, DM e achados laboratoriais, como aumento da PCR e dímero D.
• Posteriormente, foram relatados 5 casos de AVCI em pacientes jovens (<50 anos) com Covid-19.
• Destes, 4 não tinham fatores de risco prévios e 3 não haviam apresentado sintomas respiratórios no momento da instalação do AVCI.

Confira: Sequelas neurológicas pós-Covid-19

• Ainda não se sabe se o SARS-Cov-2 pode causar infecção persistente no SNC.
• Outros coronavírus já foram associados com infecção persistente no cérebro e com a detecção do genoma viral no líquido cefalorraquidiano de  pacientes com EM e em pacientes com Esquizofrenia.
• Estudos prospectivos com avaliação da cognição, neuroimagem e marcadores de neurodegeneração, como o NfL, poderão identificar futuramente o impacto de longo prazo desse vírus no SNC.