Diagnóstico de Vasculite Primária do Sistema Nervoso Central

A análise do líquido cefalorraquidiano (liquor) em casos de Vasculite Primária do Sistema Nervoso Central

A Vasculite Primária do sistema nervoso central (SNC) refere-se a um amplo espectro de doenças que resultam em inflamação dos vasos sanguíneos do cérebro, da medula espinhal e das meninges. 

É considerada uma Vasculite Secundária do SNC quando a condição ocorre no contexto de uma doença inflamatória sistêmica ou de um processo infeccioso, como o vírus varicela-zóster. Quando não faz parte desse contexto, é chamada de Vasculite Primária do SNC.  

Essa doença afeta predominantemente artérias de pequeno e médio porte do parênquima cerebral, medula espinhal e leptomeninges, resultando em sintomas e sinais de disfunção do SNC.

Trata-se de uma condição rara, com uma taxa de incidência anual de 2,4 casos por 1.000.000 pessoas-ano. Há uma predominância 2:1 do sexo masculino entre os casos relatados. A idade média no diagnóstico é de 50 anos, embora possa ocorrer em quase todas as idades. A causa e a fisiopatologia ainda são pouco conhecidas.  

Apresentação clínica  

A Vasculite Primária do sistema nervoso central tem manifestações clínicas bastante variáveis e inespecíficas.

A cefaleia é o sintoma mais comumente relatado, ocorrendo em cerca de 60% dos pacientes, sendo geralmente subaguda e insidiosa. Outros sintomas incluem alterações cognitivas, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e ataque isquêmico transitório, que estão presentes em 30 a 50% dos pacientes. 

Os Acidentes Vasculares Cerebrais costumam acometer diferentes territórios anatômicos. 

Podem ocorrer outros sintomas, como neuropatias cranianas, ataxia, convulsão e coma. Febre, perda de peso ou erupção cutânea geralmente estão ausentes. Também podem ser encontrados sintomas decorrentes de lesão medular.  

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Diagnóstico  

O diagnóstico de Vasculite Primária do sistema nervoso central é desafiador, pois os sintomas normalmente são inespecíficos e não há um teste diagnóstico único. A investigação é voltada para a exclusão de outras etiologias. 

Alguns cenários são altamente suspeitos, por exemplo, quadros recorrentes de AVC em pacientes jovens, sem fator de risco cardiovascular ou estados hipercoaguláveis ​​identificáveis.  

A primeira etapa do diagnóstico é descartar uma infecção, pois a ausência de sua identificação pode ter consequências devastadoras. Uma série de infecções bacterianas, micobacterianas, virais e fúngicas e por rickettsiais pode imitar a Vasculite Primária do sistema nervoso central. 

Os agentes a serem investigados são:  

  • Treponema pallidum; 
  • Borrelia burgdorferi; 
  • Bartonella sp;  
  • Mycobacterium tuberculosis;
  • Herpesvírus, como o vírus varicela zoster, sendo este associado a uma ampla gama de Vasculites;
  • Citomegalovírus; 
  • Vírus da hepatite B e C, que podem estar associados à Poliarterite Nodosa e à Crioglobulinemia Mista; 
  • Infecção por HIV; 
  • Fungos, como as espécies Aspergillus e Histoplasma; 
  • Cisticercose – podendo envolver vasos cerebrais de tamanho médio do espaço subaracnoide. 

 Outros diagnósticos diferenciais incluem:  

  • Síndrome de Vasoconstrição Cerebral Reversível: tipicamente associada a cefaleias graves e de início agudo, do tipo trovoada, que podem ocorrer de forma intermitente por dias a semanas, às vezes acompanhadas por sinais e sintomas neurológicos.  

Vasculite Sistêmica envolvendo o SNC: 

  • Síndrome de Behçet;  
  • Poliarterite Nodosa;  
  • Vasculites associadas a anticorpos citoplasmáticos anti-neutrófilos, incluindo Granulomatose com Poliangiite, Poliangiite Microscópica e Granulomatose Eosinofílica com Poliangiite (Churg-Strauss);
  • Vasculite Crioglobulinêmica.

Outras doenças reumáticas sistêmicas: 

  • Lúpus Eritematoso Sistêmico e condições relacionadas;  
  • Meningoencefalite Inflamatória Autoimune não Vasculítica; 
  • Artrite Reumatoide;
  • Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide.

Outras doenças raras: 

  • Linfoma Intravascular do SNC; 
  • Sarcoidose;
  • Síndrome de Susac.

Diagnóstico  

A avaliação laboratorial geral dos casos suspeitos inclui hemograma completo, provas de atividade inflamatória, complemento (total, C3 e C4), imunoglobulinas, pesquisa de autoanticorpos nas doenças reumatológicas, sorologias para HIV, Hepatites, e pesquisa de outras infecções, como Sífilis, Doença de Lyme, entre outras.  

Os métodos de imagem, como a ressonância magnética, visam mostrar alterações isquêmicas ou hemorrágicas como consequência do processo vasculítico. 

O estudo dos vasos pode ser feito pela angiotomografia, angiorressonância, ou mesmo pela arteriografia. Os achados incluem estreitamento segmentar, geralmente nas artérias médias e pequenas. 

O envolvimento de vários locais da circulação cerebral é típico. Outros achados incluem irregularidades vasculares circunferenciais ou excêntricas. Embora os achados sejam característicos da arterite cerebral, estes não são específicos e podem ser encontrados em distúrbios não vasculites, como Aterosclerose e vasoespasmo. 

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Punção lombar e o exame do líquido cefalorraquidiano 

A análise do líquido cefalorraquidiano (liquor) é uma parte crucial da avaliação de pacientes com potencial Vasculite Primária do Sistema Nervoso Central e deve ser realizada em todos os pacientes, a menos que haja contraindicações. A importância desta consiste em excluir qualquer processo infeccioso ou maligno 

O líquido cefalorraquidiano é anormal em 80 a 90 por cento dos pacientes com Vasculite Primária do Sistema Nervoso Central documentada patologicamente. 

Não há anormalidades específicas; no entanto, os achados no material, na maioria dos pacientes, mostram um padrão de Meningite Asséptica com Pleocitose Linfocítica Modesta, níveis normais de glicose, nível elevado de proteína e, ocasionalmente, a presença de bandas oligoclonais e síntese elevada de IgG. 

Na Síndrome da Vasoconstrição Cerebral Reversível, o principal diagnóstico diferencial, a análise do líquido cefalorraquidiano (liquor), é geralmente normal ou reflete achados de hemorragia subaracnoidea.  

Esse exame, nos casos suspeitos de Vasculite Primária do Sistema Nervoso Central, inclui os seguintes parâmetros:  

  • Pressão de abertura: normal ou ligeiramente aumentada; 
  • Aspecto: em geral, normal; 
  • Citologia: Pleocitose Linfocítica Leve;
  • Citologia oncótica: negativa;
  • Imunofenotipagem: negativa; 
  • Bioquímica: pode ocorrer aumento leve de proteínas. Glicose e lactato estão geralmente normais. 
  • Microbiologia convencional: negativa; 
  • VDRL: negativo. 

Pesquisa de agentes infecciosos – para o diagnóstico de Vasculite Primária do Sistema Nervoso Central, todos os exames para identificação de agentes infecciosos devem resultar negativos:  

  • Detecção de antígeno (imunocromatografia para C. neoformans);
  • Anticorpos específicos no líquido cefalorraquidiano e soro para B. burgdorferi. Detecção do genoma da bactéria pela PCR  na análise do liquor.  

Infecções fúngicas: identificação de anticorpos, como a reação de fixação de complemento, detecção de antígenos, como o A. galactomannan antígeno-GM, para Aspergillus. PCR para o Aspergillus ssp. ou em um painel para fungos patológicos.   

  • Painel PCR Meningites/Encefalites FilmArray®;   
  • PCR para M. tuberculosis;
  • ELISA para detecção de IgM e IgG para Brucella. 

Tratamento 

O tratamento é realizado com drogas imunossupressoras e anticorpos monoclonais anti-CD20, como o rituximabe.  

Confira aqui a lista completa de exames do Senne Liquor. 

Bibliografia consultada:  

Salvarani C, Brown RD Jr, Calamia KT, Christianson TJ, Weigand SD, Miller DV, Giannini C, Meschia JF, Huston J 3rd, Hunder GG. Primary central nervous system vasculitis: analysis of 101 patients. Ann Neurol. 2007 Nov;62(5):442-51.  

Rice CM, Scolding NJ. The diagnosis of primary central nervous system vasculitis. Pract Neurol. 2020 Apr;20(2):109-114. 

Dutra LA, de Souza AW, Grinberg-Dias G, Barsottini OG, Appenzeller S. Central nervous system vasculitis in adults: An update. Autoimmun Rev. 2017 Feb;16(2):123-131.  

Shulman JG, Cervantes-Arslanian AM. Infectious Etiologies of Stroke. Semin Neurol. 2019 Aug;39(4):482-494.