A influência da atividade cerebral durante o sono sobre o fluxo de líquido cefalorraquidiano (liquor) e a sua relação com a doença de Alzheimer

A patogênese da doença de Alzheimer (DA) está relacionada à agregação cerebral de proteínas tóxicas, como, por exemplo, β-amiloide (Aβ) e tau, que não são adequadamente eliminadas. O sistema glinfático desempenha um papel importante na depuração dessas substâncias tóxicas do espaço intersticial extracelular. Nesta via de depuração, o movimento do liquor (LCR) do espaço periarterial para o espaço intersticial, que é facilitado pelos canais astrogliais de aquaporina-4 (AQP4), impulsiona o fluido intersticial. Este, por sua vez, contém solutos intersticiais como a Aβ e tau, em direção ao espaço perivenoso e às veias de drenagem profunda, para posterior absorção pelas cadeias linfáticas cervicais.

Esse movimento do líquido cefalorraquidiano pode aumentar até 20 vezes durante o sono em comparação com a vigília, elevando a depuração de Aβ intersticial. Isso contribui para a flutuação diurna de Aβ intersticial, que é observada em seres humanos e em camundongos, explicando a relação entre a patologia da doença de Alzheimer e o sono, bem como aumento de risco dessa doença em indivíduos com distúrbios de sono.

Alguns fatores correlacionam-se com o fluxo do LCR e o funcionamento do sistema glinfático, como a pulsação arterial e a respiração, que são os principais impulsionadores dos movimentos linfáticos do liquor. Esses fatores não explicam por completo o aumento de fluxo e depuração do líquido intersticial dependente do sono, uma vez que não há alterações cardiovasculares e respiratórias significativas durante o sono. Uma outra possibilidade foi originada de um estudo experimental que mostrou uma expansão de 60% do interstício durante o sono, facilitando as trocas entre o LCR e o interstício, aumentando a depuração de Aβ durante o sono.

Leia também: Mensuração de pequenas partículas de HDL no LCR: um novo biomarcador para Doença de Alzheimer?

Estudos recentes mostram uma relação entre o funcionamento do sistema glinfático e a atividade cerebral durante o sono. Desordens do sono, com aumento da atividade cerebral, levariam a diminuição das trocas linfáticas, reduzindo a depuração de Aβ, ocasionando um aumento da concentração de Aβ solúvel no interstício, o que aumenta a deposição de placas amiloide.

As regiões do pré-cuneus, parietal lateral e pré-frontal medial são as mais ativas durante o estado de repouso (quando o indivíduo não está realizando uma tarefa específica) e com níveis mais altos de atividade neuronal. Provavelmente, isso justifica serem estas as regiões com maior acúmulo de Aβ na fase inicial da DA.

Um estudo recente mostrou correlação entre o sinal global na ressonância magnética funcional em estado de repouso (rsfMRI) de baixa frequência (<0,1 Hz) dependente do sono, referido como BOLD, e o funcionamento do sistema linfático. Evidências mostraram correlação entre o sinal BOLD e o estado de excitação cerebral, particularmente no estágio de sono leve. Esse estado funcional tem sido associado a modulações importantes nas funções cardíaca e respiratória, que poderiam interferir no fluxo do liquor e, consequentemente, na depuração de Aβ cortical. Esses achados sugeriram o papel potencial do sinal BOLD na avaliação do processo glinfático e na compreensão da patologia relacionada à Doença de Alzheimer.

Para testar essa hipótese, Liu e cols. avaliaram o impacto da atividade cerebral global de baixa frequência dependente do sono (<0,1 Hz) sobre o fluxo de líquido cefalorraquidiano (liquor) e a eliminação do acúmulo de proteínas tóxicas relacionadas à Doença de Alzheimer. O estudo, realizado na Universidade da Pennsylvania, foi publicado em 2021 na PLOS Biology. Foram incluídos 118 indivíduos submetidos a exames de fMRI em estado de repouso, com dois anos de intervalo. As alterações da fMRI foram correlacionadas com biomarcadores como a Aβ e tau e dados neuropsicológicos. Os autores identificaram que uma menor conexão entre a atividade cerebral pela fMRI e o fluxo do LCR teve correlação com o desenvolvimento da doença ao longo desse período.

Os indivíduos com menor conexão tiveram maior acúmulo de β-amiloide no cérebro e maior deterioração cognitiva ao longo de dois anos. Esses achados sugerem um papel importante da atividade cerebral do sono na eliminação de proteínas tóxicas cerebrais, por meio do fluxo de LCR. O estudo foi o primeiro a detectar um acoplamento entre a atividade cerebral global em estado de repouso do sono com o fluxo de LCR e a patologia da doença de Alzheimer. Essa descoberta destaca o papel potencial da dinâmica neural e fisiológica do estado de repouso de baixa frequência (<0,1 Hz) na DA, presumivelmente devido à sua interferência no fluxo liquórico depurando proteínas tóxicas cerebrais.

A interface entre as doenças neurodegenerativas e o sono é um tema de relevância crescente. Marcadores de atividade cerebral ligados ao sono, fluxo do liquor, funcionamento linfático, mensuração e depuração de proteínas tóxicas poderão trazer mais informações sobre o desenvolvimento da doença e de futuras intervenções que possam impactar a história natural da DA e outras doenças neurodegenerativas.

O Senne Liquor Diagnóstico é pioneiro na análise de biomarcadores de Alzheimer no liquor. Clique aqui para conhecer o nosso portfólio completo de exames.

 

Referências:  

Han F, Chen J, Belkin-Rosen A, Gu Y, Luo L, Buxton OM, Liu X; Alzheimer’s Disease Neuroimaging Initiative. Reduced coupling between cerebrospinal fluid flow and global brain activity is linked to Alzheimer disease-related pathology. PLoS Biol. 2021 Jun 1;19(6):e3001233. doi: 10.1371/journal.pbio.3001233. PMID: 34061820; PMCID: PMC8168893. 

Borges CR, Poyares D, Piovezan R, Nitrini R, Brucki S. Alzheimer’s disease and sleep disturbances: a review. Arq Neuropsiquiatr. 2019 Nov;77(11):815-824. doi: 10.1590/0004-282X20190149. PMID: 31826138.