Mensuração de pequenas partículas de HDL no LCR: um novo biomarcador para Doença de Alzheimer?

A doença de Alzheimer (DA) é caracterizada por um comprometimento cognitivo progressivo devido a uma degeneração no cérebro. É o tipo mais comum de demência. Patologicamente, ela ocorre em razão do acúmulo de placas formadoras de beta-amiloide no córtex cerebral e da deposição de proteína tau fosforilada nos emaranhados neurofibrilares.

Fatores de risco genéticos e não genéticos estão associados à condição. O envelhecimento é o fator de risco mais importante. Outros fatores de risco da Doença de Alzheimer incluem:

  • Doença cerebrovascular;
  • Elevação da pressão arterial;
  • Aumento da resistência à insulina no diabetes mellitus tipo 2;
  • Obesidade e sobrepeso;
  • Síndrome metabólica;
  • Tabagismo;
  • Lesão cerebral traumática;
  • Crescimento dos níveis de lipídios plasmáticos;
  • Baixa atividade intelectual;
  • Sedentarismo.

Indivíduos com o alelo apolipoproteína E4 (APOE-ε4) têm maior chance de desenvolver a doença. A DA de início precoce está associada a variantes genéticas em genes que codificam a proteína precursora de amiloide (APP) ou presenilina (PSEN 1 e PSEN 2). A Doença de Alzheimer de início tardio não está associada a tais mutações.

O diagnóstico da Doença de Alzheimer é feito com base na apresentação clínica dos pacientes e nos biomarcadores de:

a) A deposição de beta-amiloide, que  são a redução da isoforma Aβ42 (ou da razão Aβ42/Aβ40) no líquido cefalorraquidiano (liquor) e a identificação de depósito amiloide no cérebro por meio do PET amiloide;

b) Biomarcadores para os emaranhados neurofibrilares – aumento da Tau total (t-tau) e da Tau fosforilada (p-tau) no líquido cefalorraquidiano (liquor);


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Estudos recentes têm demonstrado a associação entre a Doença de Alzheimer e biomarcadores plasmáticos, incluindo lípides e lipoproteínas. O cérebro tem um conteúdo lipídico muito elevado, portanto, alterações nos níveis de fosfolipídios e colesterol podem ter relação com o desenvolvimento de doenças cerebrais. A barreira hematoencefálica (BHE) impede a entrada de colesterol circulante no cérebro. O cérebro produz o próprio colesterol dos astrócitos. Em situações em que há hiperlipidemia, o aumento do colesterol plasmático leva à formação de radicais livres, que podem romper a barreira hematoencefálica, levando ao aumento do colesterol cerebral.

O colesterol desempenha um papel fundamental na amiloidogênese no cérebro, aumentando a formação de placas beta-amiloides e levando à neurodegeneração. A APOE é um transportador de colesterol. Indivíduos portadores de um alelo APOE-ε4 são mais propensos a desenvolver a Doença de Alzheimer. Outras mutações genéticas dos receptores e transportadores envolvidos no metabolismo e transporte do colesterol também foram associadas a um maior risco de desenvolver DA. Por outro lado, níveis plasmáticos mais altos de colesterol HDL (HDL-C) foram associados a menor gravidade da condição e melhor função cognitiva. Contudo, as associações entre os níveis plasmáticos de HDL-C e o risco de DA têm sido inconsistentes.

HDL no líquido cefalorraquidiano (liquor) e Doença de Alzheimer

A composição de lípides, em especial do HDL, no LCR tem sido estudada na Doença de Alzheimer. As partículas de HDL compreendem um espectro diversificado de complexos lipoproteicos de diferentes tamanhos, estruturas e funções. Em relação ao tamanho, podem ser divididas em partículas grandes (tamanho 9,4–14,0 nm), médias (8,3–9,3 nm) e pequenas (7,3–8,2 nm). A molécula transportadora de ligação de ATP A1 (ABCA1) regula a homeostase de fosfolipídios e o colesterol da membrana celular no cérebro. A ABCA1 medeia a lipidação de apoE para formar apoE HDL, que constitui uma partícula de HDL discoidal inicialmente pobre em lipídios.

Posteriormente, uma outra molécula transportadora, a ABCG1, completa a lipidação de pequenas HDLs para formar HDLs maiores. A ApoE HDL promove a degradação de beta-amiloide nos astrócitos e na micróglia. Em modelos animais, a eliminação de ABCA1 demonstrou diminuir os níveis de apoE HDL e aumentar a apoE pobre em lipídios, com consequente deposição de amiloide no cérebro.

A superexpressão de ABCA1 aumenta a apoE HDL e, consequentemente, diminui a deposição de amiloide no cérebro. A APOE-ε4 aprisiona a molécula ABCA1 em endossomos, aumentando a apoE pobre em lipídios e reduzindo a ApoE HDL, ampliando a deposição de amiloide no cérebro. A restauração da atividade de ABCA1 em camundongos permite a formação de HDL. O efluxo de colesterol para o LCR mediado por ABCA1 é reduzido na DA. Portanto, medir pequenas partículas de HDL no LCR pode fornecer um indicador da função ABCA1 e da lipidação da apoE no cérebro.

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Com base nessas informações, foi proposta a hipótese de que pequenas partículas de HDL estão associadas ao risco de Doença de Alzheimer. Para testá-la, pesquisadores da Keck School of Medicine da University of Southern California, Estados Unidos, mensuraram as concentrações de pequenas partículas de HDLs no líquido cefalorraquidiano (liquor) e no plasma de 180 indivíduos com ≥60 anos de idade, usando a metodologia de mobilidade iônica. Uma maior quantidade de pequenas partículas de HDL no liquor foi positivamente associada ao desempenho de três domínios da função cognitiva, independentemente da expressão da APOE-ε4, da idade, do gênero e dos anos de escolaridade.

Tais associações foram mais relevantes em indivíduos sem comprometimento cognitivo, sugerindo um papel das partículas de HDL na prevenção da Doença de Alzheimer. Níveis mais altos de partículas de HDL no LCR também se correlacionaram significativamente com maiores níveis de Aβ42 no LCR, de forma oposta ao que ocorre na DA, em que há redução da Aβ42 no LCR.

Portanto, novas abordagens para explorar a mensuração de pequenas HDLs em LCR, além de estratégias para promover seu aumento, podem trazer importantes informações, com potenciais aplicações na prevenção e tratamento dessa doença.


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Bibliografia

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