Há evidências crescentes de que o consumo moderado de álcool afeta negativamente a saúde do cérebro. Dada a alta prevalência de consumo moderado da substância, mesmo pequenas associações causais podem trazer impacto populacional substancial. Os mecanismos patológicos pelos quais o álcool age no cérebro ainda não são totalmente conhecidos, mas o seu estudo é fundamental para oferecer oportunidades de intervenção.
Uma hipótese até hoje pouco enfatizada é que a sobrecarga de ferro contribui para a neurodegeneração relacionada ao álcool. As sequelas neurológicas de distúrbios hereditários de sobrecarga de ferro são reconhecidas há muito tempo, e uma maior quantidade da substância foi implicada na fisiopatologia das doenças de Alzheimer e Parkinson.
O uso pesado de álcool pode estar associado ao acúmulo de ferro no cérebro, mas o que ainda não foi previamente explorado é se isso pode acontecer com o consumo moderado de álcool e, em caso afirmativo, se essas associações são causais. Além disso, os mecanismos pelos quais a substância pode influenciar o ferro cerebral e se nele há consequências clínicas de elevações sutis ainda são desconhecidos.
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Baixos níveis de consumo de álcool têm sido associados a alterações em marcadores sanguíneos da homeostase do ferro, contudo, os marcadores séricos podem ser pouco específicos para avaliar os estoques de ferro corporal. A medição simultânea do acúmulo de ferro no cérebro e no fígado é um indicador mais confiável das reservas corporais de ferro.
Um estudo abrangente feito no Reino Unido avaliou a associação entre consumo moderado de álcool, ferro cerebral e funções cognitivas, recrutando voluntários com idades de 40 a 69 anos, entre 2006 e 2010.
Os participantes tiveram a quantidade de álcool ingerido avaliada por meio de autorrelato. Foi realizada ressonância magnética ponderada para determinar o teor de ferro de cada região do cérebro e dos tecidos hepáticos. Os índices de deposição de ferro foram avaliados no putâmen, caudado, hipocampo, tálamo e substância negra.
Foi correlacionado, por meio de estoques sistêmicos elevados de ferro avaliados no fígado, o acúmulo de ferro no cérebro. A cognição foi avaliada com testes de função executiva, como o teste de trilhas, testes de inteligência com tarefas de quebra-cabeça e velocidade de reação por uma tarefa baseada em um jogo de cartas.
A média de idade foi de 54,8 ± 7,4 anos e 48,6% eram do gênero feminino. O consumo semanal de álcool médio foi de 17,7 ± 15,9 unidades, e os que nunca bebiam representaram apenas 2,7% da amostra. Um maior consumo de álcool foi associado à quantidade elevada de ferro no putâmen, núcleo caudado e substância negra. Essas associações ocorreram naqueles que consumiam mais de 7 unidades (56 g) de álcool semanalmente.
A predisposição genética ao uso de álcool teve associação com o ferro sérico e com a saturação da transferrina. Níveis sistêmicos de ferro foram correlacionados com a ingestão de álcool e com o ferro cerebral. Maior concentração de ferro nos gânglios basais foi associada, além de função executiva mais lenta, inteligência fluida mais baixa e tempos de reação reduzidos.
Esse foi o maior estudo até hoje sobre consumo moderado de álcool e acúmulo de ferro no cérebro. O estudo sugere que as quantidades de ferro cerebral relacionadas ao álcool podem ser parcialmente medidas por níveis sistêmicos mais altos de ferro, mas é provável que outros mecanismos adicionais estejam envolvidos.
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Pior função executiva e inteligência fluida, além de velocidades de reação mais lentas, foram observadas em associação com níveis de ferro mais alto nos gânglios basais. Portanto, o acúmulo de ferro no cérebro é um possível mecanismo para o declínio cognitivo relacionado ao álcool. Se a deposição de ferro cerebral for de fato o mediador do efeito negativo do álcool no cérebro, existem oportunidades potenciais para monitoramento precoce por meio de marcadores de ferro sérico, bem como de potenciais intervenções precoces com agentes quelantes.
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Referências
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