Melhora da memória e da integridade hipocampal de camundongos idosos após a Infusão Cerebral de Liquor (LCR) Jovem. 

O envelhecimento cerebral é o mais importante fator de risco para as demências e as doenças neurodegenerativas. A Doença de Alzheimer (DA) é a condição  neurodegenerativa mais comum e a maior causa de demência.  Ela é caracterizada pelo acúmulo de placas amiloides extracelulares, emaranhados neurofibrilares intracelulares e neuroinflamação.

Estudos recentes têm demonstrado que o ambiente sistêmico atua sobre o cérebro ao longo da vida. Tal constatação tem desencadeado inúmeras estratégias de intervenção, com o objetivo de retardar o envelhecimento cerebral. Pesquisas experimentais prévias mostraram que a infusão de plasma jovem no cérebro melhorou a memória de camundongos envelhecidos. A transposição desse conceito para seres humanos é, contudo, inexequível em razão da  existência da barreira  hematoencefálica (BHE), que limita o acesso de fatores plasmáticos ao cérebro.

O líquido cefalorraquidiano (liquor) possui estreita associação com as células cerebrais e contém moléculas relacionadas à proliferação e à especialização de progenitores neuronais durante o seu desenvolvimento. No entanto, a composição protéica do líquido cefalorraquidiano (liquor) muda com o envelhecimento, sendo marcada por um aumento de proteínas inflamatórias e pela diminuição de fatores de crescimento, como o BDNF. Ainda não se sabe se essas alterações na composição do LCR contribuem para o declínio cognitivo relacionado à idade.

Em um artigo publicado na revista Nature em 2022, Iram e cols., avaliou-se se a administração intraventricular de LCR jovem em camundongos idosos teria efeitos rejuvenescedores no cérebro desses animais. Os autores testaram inicialmente se a infusão de LCR jovem em camundongos senis poderia melhorar as deficiências de memória e aprendizado relacionadas ao envelhecimento.

Tais bichos, quando idosos, infundidos com liquor jovem, obtiveram maiores taxas de congelamento após a exposição ao som e à luz, sugerindo melhor preservação da memória remota relacionada ao medo. Os camundongos envelhecidos infundidos com LCR jovem obtiveram taxas de congelamento comparáveis ​​a camundongos com a mesma idade daqueles dos quais o líquido cefalorraquidiano (liquor) foi retirado. Houve alteração significativa da expressão gênica do hipocampo após tratamento com LCR jovem. Os genes de oligodendrócitos foram altamente regulados, sendo que a infusão de liquor ​​jovem promoveu a regulação positiva de fatores de transcrição que direcionam a diferenciação entre os  oligodendrócitos e os principais componentes da mielina. Essa proliferação de oligodendrócitos foi associada a uma maior mielinização do hipocampo.

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Os autores puderam ainda identificar que o fator de crescimento de fibroblastos 17 (Fgf17) é suficiente para induzir a proliferação de células precursoras de oligodendrócitos e a consolidação de memória de longo prazo em camundongos idosos, enquanto o bloqueio de Fgf17 é  capaz de comprometer a cognição em camundongos jovens. Tais achados corroboram que o poder rejuvenescedor do LCR jovem foi associado à ação do Fgf17. De fato, o Fgf17 em neurônios de camundongos e no LCR humano diminui com a idade. Restabelecer seus níveis cerebrais poderia ser uma forma de estimular a mielinização do hipocampo e, consequentemente, a memória.

Os autores também verificaram  que o fator de resposta sérica (SRF), um fator de transcrição que impulsiona o rearranjo do citoesqueleto de actina, é um mediador da proliferação de células precursoras de oligodendrócitos após a exposição ao líquido cefalorraquidiano (liquor) jovem.

A expressão de SRF diminui com a idade, mas pode ser induzida pela injeção aguda de LCR jovem. O Fgf17 é um potencial ativador de SRF no LCR e, portanto, a infusão de Fgf17 aumenta a expressão de SRF, induz a proliferação de oligodendrócitos, aumenta a mielinização do hipocampo e contribui para a consolidação de memória de longo prazo em camundongos idosos.

Essas descobertas demonstram o potencial rejuvenescedor do liquor jovem e identificam o Fgf17 como um alvo-chave para restaurar a função dos oligodendrócitos no cérebro envelhecido.

O proteoma do LCR consiste em proteínas secretadas pelo plexo coroide, transferidas por meio  do plasma, bem como em proteínas secretadas de células parenquimatosas e imunes. O envelhecimento do plexo coroide está associado à redução de células-tronco cerebrais. As células precursoras de oligodendrócitos representam a maior população de células-tronco no cérebro envelhecido, e a formação de oligodendrócitos mielinizantes tem papel ativo na cognição. A oligodendrogênese do hipocampo é drasticamente reduzida com a idade e, quando aumentada, há melhor desempenho cognitivo de camundongos com DA.

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Os dados desse estudo sugerem que proteínas do LCR atuam diretamente na formação de oligodendrócitos e na plasticidade da mielina, com resultados benéficos para a saúde neuronal e para a função cognitiva. O Fgf17 é abundantemente expresso pelos neurônios corticais e sua expressão cai drasticamente com o envelhecimento. Os resultados desse estudo sugerem que induzir a mielinização do hipocampo por meio de fatores presentes, como o Fgf17, no LCR jovem pode ser uma estratégia terapêutica para prevenir ou resgatar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento e às doenças neurodegenerativas. Essa estratégia pode ainda ser uma via alternativa para o desenvolvimento de novas drogas no tratamento de patologias como a Doença de Alzheimer.

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Bibliografia: 

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