Aspectos clínicos e terapêuticos da neuralgia do trigêmeo

Aspectos clínicos e terapêuticos da Neuralgia do Trigêmeo

A Neuralgia do Trigêmeo (NT) é caracterizada por breves episódios recorrentes de dores semelhantes a choques elétricos unilaterais. Elas têm início e término abruptos na distribuição de uma ou mais divisões do nervo trigêmeo, mais frequentemente a mandibular ou maxilar, desencadeadas por estímulos normalmente inofensivos, como o toque.

Os mecanismos desencadeantes da NT são: 

  • Compressão da raiz do nervo trigêmeo – A maioria dos casos de NT é causada pela compressão da raiz do nervo trigêmeo, geralmente alguns milímetros após a entrada na ponte. Acredita-se que a compressão por uma alça aberrante de uma artéria ou veia seja responsável por 80% a 90% dos casos. Outras causas de NT via compressão nervosa incluem: schwannoma vestibular (neuroma acústico), meningeoma, cisto epidermoide, metástase, e, raramente, um aneurisma sacular ou malformação arteriovenosa. O mecanismo pelo qual a compressão do nervo leva aos sintomas parece estar relacionado à desmielinização em uma área circunscrita ao redor da compressão. 
  • Esclerose Múltipla (EM) e lesões do tronco cerebral – A desmielinização de uma ou mais vias do nervo trigêmeo também pode ser causada por Esclerose Múltipla ou outras lesões estruturais do tronco cerebral. Na EM, pode haver uma placa na zona de entrada da raiz do nervo trigêmeo.
  • Sensibilização central – a evidência para um papel dos mecanismos centrais da dor tem sido demonstrada por estudos eletrofisiológicos do processamento nociceptivo trigeminal em pacientes com NT. 

 

A prevalência geral de NT é <0,1 por cento. Apesar de sua baixa prevalência, a NT é uma das neuralgias mais frequentemente observadas na população idosa, pois sua incidência aumenta gradualmente com a idade; a maioria dos casos idiopáticos e clássicos de NT começa após os 50 anos. A razão de prevalência entre homens e mulheres da NT varia de 1: 1,5 a 1: 1,7. 

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DIAGNÓSTICO

 

Diagnóstico clínico: 

Os critérios diagnósticos da Classificação Internacional das Cefaleias são:

  • A) Paroxismos recorrentes de dor facial unilateral na(s) distribuição(ões) de uma ou mais divisões do nervo trigêmeo, sem radiação além, e atendendo aos critérios B e C.
  • B) A dor tem todas as seguintes características:
    • Dura de uma fração de segundo a dois minutos;
    • Intensidade severa;
    • Sensação de choque elétrico, tiro, facada ou agudo em qualidade.
  • C) Precipitado por estímulos inócuos dentro da distribuição trigeminal afetada.
  • D) Não melhor explicado por outro diagnóstico ICHD-3.

 

Diagnóstico etiológico: 

Para todos os pacientes com suspeita de NT ou aqueles com ataques recorrentes de dor limitados a uma ou mais divisões do nervo trigêmeo e sem causa óbvia, é necessária uma investigação para ajudar a determinar o mecanismo. 

 

O algoritmo de investigação é mostrado abaixo:

neuralgia

Confira: O líquido cefalorraquidiano e as cefaleias 

Papel do exame do líquido cefalorraquidiano (liquor) 

 

O exame do líquido cefalorraquidiano traz potenciais contribuições no diagnóstico da NT: 

1.Diagnóstico da EM e outras doenças desmielinizantes do SNC: 

        1. Investigação de barreira hematoencefálica e imunoprudução intratecal por meio de métodos quantitativos (dosagem de IgG, índice de IgG, nomograma de Reiber) e qualitativos (pesquisa de bandas oligoclonais – BOCs);

             2. Detecção de anti-AQ4 pelo método “cell-based” em soro e líquido cefalorraquidiano para o diagnóstico do espectro da Neuromielite Optica (NMOSD);

            3.Pesquisa de anti-MOG no soro pelo método “cell-based” para pesquisa das doenças associadas ao anticorpo anti-MO;

           4. Detecção do DNA do vírus JC no liquor em casos de suspeita de LEMP.

2. Diagnóstico de acometimento do SNC associado à infecção pelo vírus VZV:

  1. Pleocitose leve a moderada, de padrão linfocitico;

      2. A concentração de proteína no liquor é normalmente inferior a 150 mg/dL;

      3.  A concentração de glicose no líquido cefalorraquidiano é geralmente superior a 50% da concentração sérica, mas valores moderadamente reduzidos são ocasionalmente observados;

     4. Lactato: abaixo de 30 mg/dl é o parâmetro bioquímico mais preciso na distinção entre processos virais e bacterianos;

     5. Diagnóstico etiológico molecular: por meio da PCR para VZV, seja isoladamente, seja em algum painel viral ou o Painel PCR Meningites/Encefalites FilmArray®, com pesquisa de 14 agentes: E. coli K1, H. Influenzae, Listeria, Neisseria meningitidis, Streptococcus agalactiae e Streptococcus pneumoniae, Cryptococcus neoformans, Citomegalovirus, Enterovirus, Herpes tipos 1, 2 e 6, Parechovirus e VZV;

  

3. Diagnóstico de processos tumorais: o exame do líquido cefalorraquidiano pode trazer várias contribuições no diagnóstico de tumores do SNC:

  1. Alterações na análise convencional: 

1.1  Aumento da manometria: cerca de 50% dos pacientes têm pressão de abertura do líquido cefalorraquidiano > 20 cm H2O;

1.2 Pleocitose: ocorre em 50-60% dos pacientes, geralmente às custas de linfócitos;

1.3 Aumento da concentração de proteínas e redução da taxa de glicose;

1.4 Citomorfologia: a sensibilidade gira em torno de 80-95%;

1.5 Imunocitoquímica: contribui para aumentar a acurácia, podendo definir o sítio primário do tumor, em casos de metástases de origem indefinida;

1.6 Marcadores tumorais: Beta-HCG e Alfafetoproteína são bastante específicos para tumores germinativos;

1.7 Imunofenotipagem: para diagnóstico de neoplasias hematológicas, aumentando a sensibilidade da citomorfologia. 

Tratamento:

O tratamento padrão da NT é feito com drogas anticonvulsivantes, sendo a carbamazepina a droga de escolha. Em casos refratários ou com efeitos adversos com essa droga, outras opções farmacológicas podem ser avaliadas. O tratamento cirúrgico é reservado para os casos que não respondem aos fármacos. 

A cirurgia de descompressão microcirúrgica neurovascular do nervo trigêmeo é o procedimento de escolha para os casos de NT clássica com evidência de compressão neurovascular. Procedimentos menos invasivos voltados para o gânglio do nervo trigêmeo podem também ser utilizados, contudo, apresentam maior taxa de recorrência.   

Confira a lista completa de exames do Senne Liquor. 

 

Bibliografia consultada: 

Cruccu G, Di Stefano G, Truini A. Trigeminal Neuralgia. N Engl J Med. 2020 Aug 20;383(8):754-762.

Maarbjerg S, Di Stefano G, Bendtsen L, Cruccu G. Trigeminal neuralgia – diagnosis and treatment. Cephalalgia. 2017 Jun;37(7):648-657.