Biópsia líquida em liquor (LCR) para identificação de meduloblastoma em crianças

A biópsia líquida se baseia na identificação de sequências genômicas, especialmente de tumores, em tecidos e fluídos nos quais células tumorais estejam presentes, como o sangue e o LCR. A identificação dessas sequências se dá por meio de técnicas de amplificação, como a PCR, utilizando “primers” específicos para determinadas sequências genômicas tumorais.

A identificação de sequências genômicas tumorais em LCR tem se mostrado promissora para a pesquisa e o monitoramento de potencialmente qualquer tumor afetando o sistema nervoso central (SNC). Uma das vantagens da biópsia líquida é que ela é mais específica do que técnicas citológicas, não requer células íntegras e é também mais específica do que exames de imagem, no que diz respeito à identificação do tumor. A sua utilização em LCR apresenta vantagens para análise de neoplasias do SNC, visto que muitas vezes não disseminam células para o sangue, em função da barreira hematoencefálica.  

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A biópsia líquida tem sido utilizada no estudo do LCR desde 1995 e, nos últimos anos, tem havido um aumento significativo na quantidade de análises publicadas que utilizam essa técnica. Estas demonstram grande potencial da biópsia líquida para identificar tanto infiltrações meníngeas quanto tumores sólidos. Duas metodologias são possíveis.

Uma delas busca identificar regiões pré-conhecidas de tumores do sistema nervoso. Apesar de ter custo mais baixo, essa metodologia requer conhecimento prévio do tipo a ser pesquisado. Uma segunda estratégia consiste em buscar mutações a partir do sequenciamento de painel de câncer. Essa estratégia tem maior sensibilidade e pode ser usada mesmo quando ainda se desconhece o tipo de tumor. Contudo, apresenta custo mais elevado. 

Outros fatores que influenciam a sensibilidade da biópsia líquida incluem o nível de diferenciação da neoplasia – sendo mais sensível em tumores menos diferenciados – e a localização – sendo mais sensível em tumores mais superficiais, próximos ao espaço liquórico.

 

Portanto, a biópsia líquida, embora ainda em fase de implementação, apresenta grande potencial para identificação e monitoramento de tumores do SNC. Sua grande vantagem é reduzir a necessidade de técnicas invasivas, como biópsias de tecidos sólidos. Além de analisar sequências de DNA de tumores, a biópsia líquida pode avaliar:

(i) sequenciamento global de RNAs mensageiros (mRNAs) e RNAs circulares (circRNAs) no LCR;

 (ii) perfil de metabólitos e lipídios, com o uso de espectrômetros de massa de alta resolução, alta sensibilidade e alta precisão.  

Em um estudo publicado em fevereiro de 2022, Lee e col. avaliaram o potencial da biópsia líquida no diagnóstico do meduloblastoma (MB) em crianças. O MB é o tumor maligno mais comum do cerebelo em crianças e representa de 10% a 15% dos tumores pediátricos do SNC. O meduloblastoma em crianças tem uma propensão a invadir e disseminar-se no LCR, havendo doença disseminada do SNC em 30% a 40% dos casos no início da doença e na maioria dos pacientes na recorrência.

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O diagnóstico é baseado na avaliação clínica, em exames de imagem e posterior exame histopatológico de biópsias. A ressonância magnética (RM) e a punção lombar são frequentemente realizadas para monitorar as respostas ao tratamento e detectar recorrências.

Embora os avanços recentes na imagem tenham melhorado a detecção e o monitoramento de MB, ainda existem necessidades não atendidas, particularmente quando há doença metastática subependimária dentro dos ventrículos. Essa nem sempre é identificada na ressonância magnética e tem grande impacto no diagnóstico.

No estudo, os autores avaliaram padrões de transcriptômica, metabolômica e lipidômica de amostras de LCR obtidas de quarenta pacientes com MB primário ou recorrente e 11 controles normais. A amplificação do transcriptoma foi realizada com real-time PCR e as análises lipidômica e metabolômica, com cromatografia líquida.

 Os autores estabeleceram que os pacientes com MB têm um padrão de transcriptômica, metabolômica e lipidômica única em seu LCR. Isso  pode ser útil para diagnóstico e monitoramento e reflete alterações biológicas consistentes com a presença de MB no SNC.

Trata-se da primeira análise molecular abrangente e integrada do LCR de pacientes MB em comparação com o LCR normal e a primeira a estabelecer perfis transcriptômicos e lipidômicos globais no LCR de pacientes com MB. Os perfis não apenas mostraram potencial diagnóstico, mas também forneceram insights sobre a fisiopatologia da doença, indicando, por exemplo, hipóxia tumoral. A análise indicou vários biomarcadores candidatos que merecem validação futura, incluindo o RNA circular circ_463

Estudos futuros deverão validar esses marcadores e determinar sua sensibilidade e especificidade diagnósticas. Além disso, a identificação de assinaturas moleculares multivariadas em pacientes MB poderá futuramente fornecer informações sobre eficácia terapêutica, estadiamento da doença, sobrevida, e risco de recorrência do câncer. 

Confira aqui a relação completa de exames do Senne Liquor.

Referência:  

Lee B, Mohamad I, Pokhrel R, Murad R, Yuan M, Stapleton S, Bettegowda C, Jallo G, Eberhart CG, Garrett T, Perera RJ. Medulloblastoma cerebrospinal fluid reveals metabolites and lipids indicative of hypoxia and cancer-specific RNAs. Acta Neuropathol Commun. 2022 Feb 24;10(1):25. doi: 10.1186/s40478-022-01326-7. PMID: 35209946; PMCID: PMC8867780.