Manifestações neurológicas pelo vírus da Dengue

A Dengue é a doença viral transmitida por mosquitos mais relevante do mundo, afetando de 50 a 100 milhões de pessoas anualmente, com aproximadamente 500 mil casos graves, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A circulação dos quatro tipos de vírus da patologia e o altíssimo número de casos contribuíram para a ampliação de conhecimento sobre seus aspectos clínicos.

Além das formas mais reconhecidas da doença, que são a Dengue (DF), a Febre Hemorrágica da Dengue (DHF) e a Síndrome do Choque da Dengue (SCD), as complicações afetam órgãos e sistemas específicos, como cérebro, nervos periféricos, músculos, fígado e pâncreas, que foram recentemente descritos.

Manifestações neurológicas, além da dor de cabeça, ocorrem em aproximadamente 4–6% dos casos. Elas foram atribuídas a diferentes mecanismos fisiopatológicos, como entrada viral direta no sistema nervoso central (SNC), distúrbios metabólicos que afetam a função do SNC, hemorragia e reações autoimunes geradas.

A seguir, conheça as principais manifestações neurológicas dessa infecção.

Cefaleia

A cefaleia ocorre em 97,6% dos pacientes com Dengue e suas características já foram descritas anteriormente. A dor é mais frequentemente nas regiões frontal e retro-ocular, mas também tem se apresentado nas áreas occipital, cervical e temporal. O sintoma é sempre bilateral. A maioria dos pacientes se queixa de dores de cabeça latejantes, embora alguns relatem dores de pressão ou aperto. A intensidade é alta em quase todos os casos. Outras manifestações associadas, como náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia, ocorrem com frequência.

A intensidade e as características da cefaleia não diferem entre Dengue Primária e Secundária, DF e DHF, ou entre pacientes com ou sem outros sintomas neurológicos. Portanto, não são afetadas pela gravidade da infecção. Mais raramente, a condição pode ser causada por Meningite Linfocítica, sendo possível identificar rigidez nucal, sinal de Kernig e sinal de Brudzinski.

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Encefalite e Meningoencefalite

A Encefalite e a Meningoencefalite são encontradas em 4 a 21% dos casos de Dengue. Essa ampla variação na prevalência provavelmente reflete diferenças nas populações estudadas e a falta de critérios específicos para definir e distingui-las de outros tipos de envolvimento do SNC.

O achado mais frequente em pacientes adultos é a confusão mental, enquanto nas crianças é a redução do nível de consciência. Outros sintomas podem ser encontrados, como coordenação anormal, comportamento alterado, parestesia, convulsões e rigidez nucal. Casos mais graves podem levar ao coma.

A tomografia de crânio é geralmente normal, mas podem mostrar sinais de baixa densidade e realce meníngeo. A ressonância magnética (MRI) tende a mostrar hiperintensidade em T2, com ou sem hemorragia, no tálamo, cerebelo e ponte, mas geralmente é normal.

A avaliação do líquido cefalorraquidiano (liquor) pode revelar níveis aumentados de glóbulos brancos. Anticorpos IgM e IgG para o vírus da dengue podem ser encontrados no soro e no liquor, e os testes de afinidade de IgG podem ser úteis para diferenciar Dengue Primária e Secundária.

O RNA da Dengue foi detectado em amostras de líquido cefalorraquidiano por PCR de 50% a 83,3% dos pacientes com Encefalite, sendo a carga viral baixa, o que pode explicar a baixa sensibilidade do PCR.

PCR do liquor

Os diagnósticos diferenciais para Encefalite por Dengue e Meningoencefalite incluem outras Encefalites induzidas por vírus, Encefalites e Encefalopatias autoimunes e distúrbios metabólicos. É frequentemente difícil a distinção entre Encefalite por Dengue, Encefalopatia e Encefalomielite disseminada aguda (ADEM).

Critérios diagnósticos para Encefalite por Dengue foram propostos. De acordo com esses parâmetros, a condição deve ser confirmada com IgM anti-dengue positivo e/ou RNA positivo para a infecção no líquido cefalorraquidiano.

Alguns estudos demonstraram a presença de RNA viral ou antígenos virais no cérebro ou no liquor de pacientes com Dengue, indicando que pode ocorrer invasão viral do SNC. Os achados patológicos mais frequentes em casos fatais são: edema cerebral e hemorragia, que não são achados típicos de Encefalite por vírus neurotrópicos. Essas descobertas indicam que o papel patogênico do vírus da Dengue no SNC ainda é pouco conhecido.

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Manifestações pós-infecciosas do SNC

Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM)

O vírus da Dengue pode desencadear uma resposta autoimune pós-infecciosa contra a mielina ou outros antígenos do SNC, possivelmente por meio de mimetismo molecular. A desmielinização com focos de hemorragia foi encontrada em um paciente com ADEM após a infecção.

Os seus sintomas neurológicos relacionados à Dengue incluem alteração da consciência, distúrbios de linguagem, paresia, déficits sensoriais e alteração sensorial, geralmente desenvolvidos de 1 a 2 semanas após a infecção aguda.

Os achados da ressonância magnética incluem lesões com hipossinal em T1 e com hipersinal em T2, incluindo realce de contraste com gadolínio, localizado principalmente na região periventricular, interface calosseptal, centro semioval, corona radiata e tálamo.

Espectro da Neuromielite Ótica (NMOSD)

A Neuromielite Óptica (NMO), a Neurite Óptica (NO) e a Mielite foram descritas em casos isolados associados a infecções prévias pelo vírus da Dengue. Nesse contexto, a NO se caracteriza pela perda aguda de visão, além do edema da papila que pode ser encontrado por meio de avaliação fundoscópica.

Os sintomas de Mielite associados à Dengue incluem paraparesia grave e retenção urinária. Ela pode ser causada por invasão viral direta e ser limitada à substância cinzenta, preferencialmente ao corno anterior, como observado na Poliomielite.

Já a NMO relacionada à Dengue causa perda aguda de visão, fraqueza dos membros inferiores, hiperreflexia e sinal de Babinski.

Neuropatias Periféricas

Diferentes formas de Neuropatias Periféricas foram descritas em associação com Dengue Aguda. A mais comum é a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), que pode ser desencadeada por vários agentes infecciosos, como Campylobacter, Mycoplasma pneumoniae, Epstein-Barr e citomegalovírus.

A desmielinização dos nervos periféricos pode ser demonstrada por estudos eletrofisiológicos que evidenciam o envolvimento dos nervos motores e sensoriais. A análise do líquido cefalorraquidiano apresenta contagens normais de leucócitos com concentrações aumentadas de proteínas.

Vários casos de SGB após infecções agudas pelo vírus da Dengue foram descritos, em pacientes com idades de 1,5 a 79 anos. Os sintomas neurológicos se desenvolvem de 0 a 30 dias após a doença, sendo 2 semanas o tempo médio de início das manifestações. O curso clínico parece ser semelhante a outras etiologias da SGB, com a maioria dos indivíduos recuperados sem déficits neurológicos persistentes.

Casos de SGB após Dengue Oligossintomática também foram descritos em áreas endêmicas. A Síndrome de Miller Fisher, com a tríade de oftalmoplegia, ataxia e

arreflexia, também foi relatada em associação com o vírus da Dengue. Outras formas de Neuropatias raras, como a craniana isolada do nervo abducente e a paralisia diafragmática, também já foram associadas à infecção.

A Neurite Braquial Aguda ou Síndrome de Parsonage Turner se apresenta como uma dor no ombro de início agudo, seguida de paralisia flácida da musculatura do braço e cintura escapular. Há evidências de que a amiotrofia nevrálgica na Dengue é desencadeada por um mecanismo imunomediado, com anticorpos antigangliosídeos, levando às alterações inflamatórias. A Neurite se desenvolve alguns dias após a doença infecciosa aguda.

Miosite

A apresentação clínica da Miosite da Dengue inclui dor muscular e, mais raramente, fraqueza. Observam-se níveis séricos aumentados de creatinofosfoquinase (CPK). A eletroneuromiografia mostra anormalidades miopáticas típicas. Biópsias musculares foram realizadas em alguns casos, com achados patológicos que incluíram infiltração perivascular leve a moderada e acúmulo de lipídios.

A fraqueza geralmente afeta os membros, mas também foram relatados casos com envolvimento cervical e orofaríngeo. Um possível mecanismo da Miosite Da Dengue é a invasão viral direta das fibras musculares e a produção de citocinas miotóxicas, particularmente o fator de necrose tumoral (TNF).

Casos raros de paralisia hipocalêmica com infecção aguda por Dengue foram descritos. Nesses casos, há tetraparesia aguda com níveis normais de CK e avaliação eletrodiagnóstica normal.

Outras causas, como tireotoxicose, consumo de álcool e drogas (diuréticos), perda gastrointestinal e perda urinária de potássio, devem ser descartadas para confirmar que a paralisia hipocalêmica está relacionada à Dengue.

Acidente Vascular Cerebral (AVC)

A dengue é uma causa incomum de Acidente Vascular Cerebral. A hemorragia está provavelmente relacionada com extravasamento capilar e trombocitopenia ligados à infecção aguda. O AVC isquêmico pode se associar à Meningovasculite.

Exame de liquor em pacientes com Dengue e manifestações neurológicas

O líquido cefalorraquidiano tem um papel fundamental no diagnóstico das neuroarboviroses, que deve ser analisado em paralelo com o soro, incluindo:

  • Análise citológica e bioquímica do liquor;
  • Avaliação da barreira hematoencefálica e da imunoprodução de anticorpos IgG: índice de IgG, nomograma de Reiber e pesquisa de bandas oligoclonais;
  • Pesquisa de anticorpos específicos: pesquisa de IgM ou de imunoprodução intratecal de IgG contra o vírus da Dengue;
  • Exames específicos de biologia molecular: pesquisa de RNA viral no liquor PCR para neuroarboviroses, incluindo Dengue, Zika, Chikungunya e Febre Amarela;
  • Exclusão de outras etiologias infecciosas, como vírus da família Herpes e infecções bacterianas.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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