A avaliação da paralisia facial bilateral demanda uma abordagem ampla, incorporando achados semiológicos, exames laboratoriais e de neuroimagem para um diagnóstico diferencial abrangente. A utilização de todas as informações clínicas permite definir a etiologia subjacente na grande maioria dos casos. Muitas das causas são potencialmente tratáveis.
Apresentação clínica
História detalhada, exames físicos e investigações são essenciais para identificar a etiologia. A história deve incluir:
- Caracterização das manifestações (sequência temporal de início, sincronicidade e alteração do paladar, por exemplo);
- Sintomas associados (como diplopia, dormência facial, sintomas otológicos, afasia e surgimento de vesículas na pele);
- Fatores de risco relevantes (pródromo viral, acampamento, imunizações, entre outros);
- Histórico de paralisia.
O exame físico deve avaliar todos os sistemas, com especial atenção à localização dos défices neurológicos. Síndromes clínicas podem levantar um alto índice de suspeita para doenças específicas. Cefaléia, distúrbio visual e claudicação mandibular sugerem arterite temporal.
A miastenia gravis é caracterizada por fraqueza muscular flutuante e fadiga, frequentemente com envolvimento ocular (ptose e diplopia). Bradicinesia, tremor de repouso, rigidez e instabilidade postural são características da Doença de Parkinson, que pode ser confundida com paralisia facial bilateral.
Avaliação diagnóstica
As investigações para o paciente com sintomas infecciosos podem incluir exame de imagem de tórax, anticorpos treponêmicos fluorescentes, análises para doença de Lyme e triagem do vírus da imunodeficiência humana (HIV).
Sintomas sistêmicos inespecíficos, como fadiga, artralgia e febre, podem estar associados aos biomarcadores inflamatórios e autoimunes (como PCR, taxa de hemossedimentação, anticorpos antinucleares, anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos e anticorpos antifosfolípides) para condições como lúpus eritematoso sistêmico, amiloidose e poliarterite nodosa. A biópsia de linfonodo deve ser considerada em casos suspeitos de leucemia e linfoma.
A realização de exames especializados, como a eletroneuromiografia (ENMG), é crucial na diferenciação entre causas periféricas e centrais da paralisia facial bilateral. A ENMG oferece informações detalhadas sobre a condução nervosa e a atividade muscular, identificando neuropatias periféricas, a síndrome de Guillain-Barré e outros distúrbios neuromusculares.
O emprego de técnicas de neuroimagem, incluindo a ressonância magnética (RM) e a tomografia computadorizada (TC), desempenha um papel fundamental na avaliação da paralisia facial bilateral. A RM cerebral é especialmente valiosa para identificar lesões no tronco encefálico, nervos cranianos e outras estruturas relacionadas. O uso de sequências ponderadas em difusão pode fornecer informações adicionais sobre a viabilidade tecidual. A TC tende a ser útil na detecção de lesões ósseas, fraturas ou processos expansivos.
Diagnóstico diferencial
Os diagnósticos diferenciais constam a seguir nas tabelas 1 e 2.
Tabela 1 – causas infecciosas
Viral | Bacteriana | Espiroquetas, protozoários e fungos |
Arbovírus | Difteria | Borreliose (doença de Lyme) |
Encefalite de tronco | Abscesso intracraniano, Listeria, Mycoplasma | Leptospirose |
Coxsackie | Hanseníase | Malária |
CMV* | Meningitis | Syphilis |
EBV** | Otites médias bilaterais | Cryptococcus neoformans |
Síndrome de Guillain-Barré (síndrome de Miller) | Escarlatina | |
HIV | Tétano | |
HTLV-1 | Meningite tuberculosa | |
VZV*** (síndrome de Ramsay Hunt) | ||
Influenza | ||
Caxumba | ||
Poliomielite |
*CMV: citomegalovírus; **EBV: vírus Epstein Barr; VZV***: vírus da Varicella-Zoster
Tabela 2 – Causas não infecciosas
Autoimune e genética | Metabólicas | Neoplasias | Doenças neuromusculares e do SNC | Trauma | Idiopática |
Amiloidose | Porfiria aguda | Neuroma do acústico, Schwannomas | Hipertensão intracraniana idiopática | Laceração facial | Paralisia de Bell |
Sarcoidose | Diabetes mellitus | Colesteatoma | Esclerose múltipla (EM) | Parto com fórceps | |
Sjögren | Síndrome de Wernicke- Korsakoff | Ependimoma | Miastenia grave | Cirurgia de Parótida | |
Lúpus | Leucemia | Parkinson | Fratura de base de crânio | ||
Poliarterite nodosa | Linfoma | Paralisia pseudobulbar e bulbar | |||
Arterite temporal | Glioma pontino | ||||
Vacinas | Doença de Von Recklinghausen | ||||
Arterite temporal | Astrocitoma pilocítico |
Avaliação do Líquido Cefalorraquidiano (Liquor)
A coleta e análise do líquido cefalorraquidiano são fundamentais na investigação da paralisia facial bilateral. A correlação entre os achados do líquido cefalorraquidiano, exames de neuroimagem e dados clínicos aprimora a precisão diagnóstica, orientando a abordagem terapêutica.
Os achados no líquido cefalorraquidiano variam de acordo com a causa do quadro clínico, destacando a importância da análise detalhada para um diagnóstico diferencial preciso.
1. Síndrome de Guillain-Barré (SGB): A celularidade habitualmente é normal. A presença de um aumento na contagem de células no líquido cefalorraquidiano, especialmente de linfócitos, pode ocorrer na SGB e é sugestiva de infecção pelo vírus HIV. Observa-se elevação das proteínas no líquido cefalorraquidiano, resultado da desmielinização segmentar dos nervos periféricos. Esse achado é consistente com a natureza inflamatória da condição.
2. Neuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica (CIDP): Os achados liquóricos habitualmente são semelhantes à SGB.
3. Infecções Virais: Essas condições podem causar uma resposta inflamatória no líquido cefalorraquidiano, evidenciada pela pleocitose, com predominância de linfócitos. Alterações bioquímicas, como aumento da proteína, também podem ocorrer. A detecção do DNA ou RNA viral específico no líquido cefalorraquidiano confirma a etiologia infecciosa e orienta a terapia antiviral. A detecção do genoma é feita pela PCR (reação em cadeia por polimerase) e pode ser realizada de forma direcionada ao agente ou por meio de painel, como o FilmArray ME©.
4. Meningite bacteriana, tuberculosa ou fúngica: A meningite bacteriana é caracterizada por uma pleocitose significativa no líquido cefalorraquidiano, frequentemente acompanhada por neutrófilos. Nas meningites tuberculosa e fúngica, a pleocitose é menos intensa e o predomínio, em geral, é de linfomononucleares. O aumento da concentração de proteínas, a redução da glicorraquia e o crescimento do lactato no líquido cefalorraquidiano também refletem a resposta inflamatória intensa. A intensidade da resposta inflamatória ocorre na seguinte ordem: bacteriana>tuberculosa>fúngica. A microbiologia convencional inclui a pesquisa direta e a cultura desses agentes. A detecção do DNA é feita pela PCR e pode ser feita de forma direcionada ao agente ou por meio de painel, como o FilmArray ME©. No caso da tuberculose, a PCR é acompanhada do teste de susceptibilidade antimicrobiana.
5. Neoplasias: A presença de células atípicas no líquido cefalorraquidiano pode indicar a invasão neoplásica no sistema nervoso central. A resposta inflamatória pode determinar elevação na concentração de proteínas, redução da glicorraquia e aumento do lactato. A imunofenotipagem auxilia na identificação de infiltrações de neoplasias hematológicas e a imunocitoquímica na detecção de metástases de tumores sólidos.
6. Doenças autoimunes e EM: O processo inflamatório leve nessas condições pode estar associado à pleocitose leve, aumento discreto de proteínas e produção intratecal de imunoglobulinas identificada por métodos quantitativos, como o índice de IgG e o índice Kappa (cadeias leves de imunoglobulinas) ou qualitativos (detecção de bandas oligoclonais em líquido cefalorraquidiano e não no soro).
7. Neurossífilis e Doença de Lyme: A pleocitose leve pode acontecer nesses casos, além de aumento de proteína. O crescimento da produção intratecal de anticorpos pode ser vista por meio da elevação do índice de IgG e da presença de bandas oligoclonais no líquido cefalorraquidiano. O VDRL no líquido cefalorraquidiano tem sensibilidade de 50% e alta especificidade no diagnóstico da neurossífilis. Os testes treponêmicos, como o FTA-Abs, são bastante sensíveis. Em casos de suspeita de Doença de Lyme, a pesquisa de anticorpos específicos no líquido cefalorraquidiano e soro para B. burgdorferi e a detecção do genoma da bactéria pela PCR em líquido cefalorraquidiano devem ser solicitadas.
Tratamento
O tratamento é feito de acordo com a etiologia.
1. Síndrome de Guillain-Barré (SGB): Imunoglobulina Intravenosa (IVIG) ou Plasmaférese são terapias eficazes para a SGB. A monitorização clínica e neurofisiológica é crucial para avaliar a resposta ao tratamento e gerenciar possíveis complicações, como a insuficiência respiratória.
2. Neuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica (CIDP): IVIG, plasmaferese e, eventualmente, corticoides e imunossupressores podem ser considerados em casos refratários.
3. Infecções Virais: O tratamento antiviral específico é feito de acordo com a etiologia.
4. Meningites bacterianas, tuberculosa e fúngica: A administração imediata de antimicrobianos é crucial, escolhidos de acordo com os resultados do líquido cefalorraquidiano.
5. Neoplasias: tratamento oncológico específico de acordo com a etiologia.
6. Doenças inflamatórias e EM: Tratamento imunomodulador ou imunossupressor de acordo com a definição do quadro.
7. Neurossífilis e doença de Lyme: esquemas de antibióticos conforme a etiologia.
A escolha e o ajuste da terapia devem ser personalizados, considerando a gravidade dos sintomas, a resposta individual ao tratamento e quaisquer complicações associadas. A colaboração estreita entre neurologistas, especialistas em doenças infecciosas, oncologistas e outros profissionais de saúde é fundamental para otimizar os resultados e a qualidade de vida dos pacientes com paralisia facial periférica bilateral.
Bibliografia consultada:
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- Liang Z, Kumar A, Mishra GP, et al. (2018). Neurological complications of herpes simplex virus type 2 infection. Journal of Neurovirology, 24(4), 453–459.
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- Yang A, Dalal V (2021). Bilateral Facial Palsy: A Clinical Approach. Cureus, 13(4):e14671.